Associação de Professores
da PUC Goiás
apuc 40 anos 3

Mardônio Pereira da Silva

Recentemente o Papa Francisco, numa entrevista inédita para uma rede de televisão brasileira, narrou a história de um rabino do século XII que interpretou a famosa passagem da torre de babel (Gênesis 11:1-9) de uma forma peculiar, diz o Papa “o rabino explicava à sua comunidade com fábulas os problemas morais que havia em algumas passagens da Bíblia. Uma vez, explicou a torre de Babel (...) qual era o problema da torre de Babel? Por que houve o castigo divino? Para construir a torre, era preciso fabricar os tijolos, usar o barro, cortar a palha, amassá-los, cortá-los, secá-los, colocá-los no forno, e depois levá-los ao alto da torre, para ir construindo. [E, finaliza o Papa] Se caia um tijolo, era uma catástrofe nacional. Se caía um operário nada acontecia.” 

 

Com esta parábola entendi que o Papa ilustrou seu repúdio à afirmação de determinados valores, como Ele mesmo diz baseados na “feroz idolatria do dinheiro”. Para os construtores da torre o que importava em primeiro lugar era a construção, a edificação, se faltasse alguma coisa material seria motivo de escândalo, preocupação e angústia. Por outro lado, se algum operário se machucasse ou mesmo morresse nada acontecia. “Nada acontecer” significa que não havia motivo para preocupação, cuidados ou zelo pela vida humana. Paradoxalmente, é como se as coisas adquirissem vida e a vida humana propriamente falando se tornasse uma coisa entre outras coisas, assim afirma o Papa, nessa mesma entrevista, “(...) Esse é o drama do humanismo desumano que estamos vivendo”.

Atualmente a PUC Goiás está enredada nesse contexto de inversão de valores.  Mais precisamente com o modelo de gestão atual da universidade que pode ser comparada aos objetivos dos construtores da torre de Babel. Por quê? Voltemos às declarações de Francisco. Segundo Ele “há uma política mundial impregnada pelo protagonismo do dinheiro (...) isso significa uma política mundial economicista sem qualquer controle ético e que vai organizando os grupos sociais de acordo com essa conveniência”. Segundo o Papa quando isso acontece se “concentra muito no centro” e as “pontas” da sociedade, “os extremos”, são “mal atendidos, não são cuidados e são descartados”. Quem são aqueles que devem ser descartados? Responde o Papa, de um lado “os idosos” e por isso “há toda uma filosofia para descartar os idosos” por que “não servem, não produzem”, afirma o Pontífice. 

Esse é exatamente o argumento que os gestores da PUC usam para demitir sumariamente todos os professores que atingem a idade de 70 anos. “Não produzem”, “não servem mais” e devem ser afastados ou “descartados” nas palavras de Francisco. A propósito, a justiça do trabalho em Goiás, nesses últimos tempos vem reiteradamente afirmando, em suas sentenças de reintegração de professores que foram demitidos da PUC, pelos motivos acima apontados, o argumento de “discriminação por idade”. Mas isso, aparentemente, não comove os dirigentes da universidade que, pelo contrário, recorrem às instâncias superiores dos tribunais a fim de manter as demissões.

No outro extremo, de acordo com o Papa, estão os jovens que “também não produzem muito”. Estes, antes de serem descartados, devem ser explorados ao máximo de suas forças sem o salário correspondente pelo trabalho realizado. Tudo isso perfeitamente de acordo com a mesma lógica utilitária que busca eliminar os idosos. Daí o tratamento indigno dispensado aos professores convidados e os professores concursados horistas na PUC.

Os professores convidados e concursados horistas que são contratados pela instituição são em grande parte jovens professores que assinam um contrato por tempo determinado com o sonho de construir a carreira acadêmica. Preparam suas aulas, estudam, pesquisam, elaboram suas provas e as corrigem com dedicação. Porém, não obstante tanto empenho, não são pagos para prepararem suas aulas, não são pagos para corrigir suas provas, não são pagos para pesquisar. De acordo com o contrato assinado recebem o salário pela “hora em pé”, como se dar aula se resumisse apenas no tempo presente em sala de aula. Pergunto: a quem interessa a precarização do ensino na Pontifícia Universidade Católica de Goiás? Não é necessário um grande exercício de inteligência para perceber que a situação desses professores tem reflexo imediato e nefasto na qualidade do ensino, principalmente, na graduação onde o número desses contratos é maior.

Por isso, caros colegas professores convidados e concursados horistas, cabe aqui a denúncia do Papa Leão XIII na carta encíclica Rerum Novarum quanto às condições de trabalho oferecida pelo patrão “(...) se, constrangido pela necessidade ou forçado pelo receio dum mal maior, aceita condições duras que por outro lado lhe não seria permitido recusar, porque lhe são impostas pelo patrão ou por quem faz oferta do trabalho, então é isto sofrer uma violência contra a qual a justiça protesta.” A injustiça é praticada contra os professores e, ao mesmo tempo, contra os destinatários finais da universidade, os estudantes que pagam altíssimas mensalidades por um ensino ministrado por docentes cada vez mais insatisfeitos. 

É paradoxal que uma Pontifícia Universidade Católica que deveria, em tese, estar em comunhão eclesial com a Igreja tenha um comportamento “vergonhoso e desumano (...) usar dos homens como de vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços” (Rerum Novarum).

“Conhecimento a serviço da vida”. Eis o lema da PUC. Mas, qual vida? A vida dos prédios, das instalações, dos laboratórios? Das obras faraônicas e luxuosas? É sintomático que, frequentemente, os gestores sejam vistos nos meios de comunicação oficiais da universidade fazendo-se fotografar visitando canteiros de obras, sorridentes, felizes, abraçando-se num comovente lançamento da “pedra fundamental” de mais um prédio. Os valores estão invertidos? Todos os meios são moralmente corretos para alcançar o superávit financeiro da universidade? É a Torre de Babel. A arrogância dos construtores em alcançar o céu, impondo sofrimento e sacrifício a funcionários e professores atrairá, mais uma vez, a ira de Deus?

 

Mardônio Pereira da Silva é diretor da Associação de Professores da PUC Goiás, Mestre em Filosofia e Educação Brasileira e professor do Departamento de Educação da PUC Goiás

Clique aqui ver a publicação do artigo no Diário da Manhã


BUSCA