Augusto C. Buonicore**
A discussão das cotas para a população negra nas universidades brasileiras criou grande polêmica entre os intelectuais, inclusive os de esquerda. É certo que, neste caso, não podemos falar em mocinhos e bandidos, em racistas e anti-racistas, pois existem elementos progressistas dos dois lados da trincheira.
Porém, se observarmos atentamente a lista de personalidades anti-cotas podemos constatar uma fortíssima presença de liberais, a maioria
ligada ao tucanato paulista. Quando olhamos para a sociedade brasileira constatamos que são os setores mais conservadores que oferecem as maiores resistências à implantação de qualquer política inclusiva, voltada para os pobres e negros. O jornal Folha de São Paulo assumiu o comando da reação no Estado de São Paulo – uma posição que foi criticada pelo próprio ombudsman do jornal. Sem nenhuma ponta de vergonha, e senso de ridículo, esses senhores lançam sua palavra de ordem: nada de privilégios!
O Manifesto contra as cotas e a retórica liberal
Albert O. Hirschman no seu belo livro A retórica da intransigência – que na versão original intitulava-se The rhetoric of reaction –
procurou analisar os 200 anos das argumentações e estratagemas utilizados pelos reacionários para impedir qualquer reforma do sistema. Ele sintetizou estes argumentos em três tipos: perversos, fúteis e ameaçadores.
Não podendo se lançar de peito aberto contra as medidas progressistas, os reacionários buscavam demonstrar que, se aplicadas, elas poderiam ser perversas, pois reforçariam o que se queria eliminar; fúteis, por não conduzirem à mudança alguma e, mesmo, ameaçadoras por trazerem conseqüências perigosas, causando males ainda maiores do que aqueles que queriam ver eliminados. Conclusão: é melhor deixar tudo como está para ver como é que fica.
Quando as primeiras leis sociais foram criadas na Europa, logo alertaram que, aparentemente, poderiam ser boas, mas se aplicadas contribuiriam para desagregação moral da sociedade. A previdência pública ou o auxílio aos desempregados induziriam o povo à preguiça e a vagabundagem. Assim, o efeito seria o contrário do que desejavam os reformadores sociais.
Os aumentos dos salários e a concessão de direitos sociais para os trabalhadores aumentariam os encargos patronais – e a carga tributária - e isto acarretaria mais desemprego, fome e miséria. Portanto, seria melhor ganhar menos e estar trabalhando. A cada proposta de redução gradual da hora trabalhada, a burguesia alardeava a bancarrota do sistema. E, segundo eles, quem pagaria por estes atos irresponsáveis seriam os próprios trabalhadores.
No Brasil as coisas não foram muito diferentes. Basta ver as argumentações daqueles que eram contra toda e qualquer reforma no sistema escravista, como o fim do tráfico negreiro, a lei do ventre livre ou do sexagenário. Cada uma dessas leis – ainda que protelatórias - foi contraposta por uma série de argumentações que tinham como mote a previsão da desintegração econômica do Brasil, com consequências catastróficas para os próprios negros escravizados.
Todos os fazendeiros se diziam sinceramente a favor de seus escravos. A escravidão era encarada por eles como uma forma de proteção aos trabalhadores cativos, visto que com ela os escravos tinham “estabilidade” e não podiam ser demitidos. Eles tinham comida, tratamento de saúde e segurança durante os anos de velhice, sem ter que pagar nada. Não eram como os pobres operários ingleses jogados à própria sorte quando perdiam seus empregos ou se aposentavam.
Assim, segundo os conservadores, as reformas progressistas (ou progressivas) estavam sempre fadadas ao fracasso e a produzir efeitos indesejáveis para aqueles que deveriam proteger: os escravos, os pobres, os operários, as mulheres, os negros etc. Os fracassos das experiências socialistas seriam provas irrefutáveis da justeza de tais ideias.
O manifesto dos liberais contra as cotas não foge desta “retórica da intransigência” que nos fala Hirschman. Vejamos: o Manifesto, entre outras coisas, afirma: “Políticas dirigidas a grupos raciais estanques em nome da justiça social não eliminam o racismo e podem atéproduzir o efeito contrário, dando respaldo legal ao conceito de raça, e possibilitando o acirramento do conflito e da intolerância”. Ou seja, garantir a maior participação de pobres e negros nas universidades, nas programações das TVs, nas chefias das empresas pode “acirrar o conflito e a intolerância”.
Em outra passagem o manifesto afirma: “A invenção de raças oficiais tem tudo para semear esse perigoso tipo de racismo, como demonstram exemplos históricos e contemporâneos. E ainda bloquear o caminho para a resolução real dos problemas de desigualdades”. Aqui a argumentação chega a ser perversa. Ela tenta confundir as atuais medidas de cotas, que têm caráter democrático, com a política racial adotada no passado recente pela Alemanha nazista e África do Sul. Não tem a coragem de fazer tal afirmação e por isso só insinua. Os liberais conservadores teriam, assim, que por um sinal de igualdade entre as políticas afirmativas adotadas pelo governo do Congresso Nacional Africano e a política segregacionista dos governos da “supremacia branca”.
Segundo o Manifesto, a lei de cotas e o Estatuto da igualdade racial seriam versões atualizadas e pós-modernas do Main Kampf – livro biográfico de Hitler que pregava a inferioridade das raças não-arianas e sua eliminação. A situação de um jovem branco sendo obrigado por uma lei a conviver numa sala de aula ou num estúdio de TV com jovens negros seria, para ele, quase a mesma situação de um judeu obrigado eviver e morrer num campo de concentração alemão.
É interessante que o Manifesto afirma que as cotas “bloqueiam o caminho da resolução real dos problemas da desigualdade”, mas não se preocupa em demonstrar por que isto ocorreria. Afinal, uma política de cotas – como qualquer outra política afirmativa – não conflita como processo de ampliação “dos serviços públicos de qualidade nos setores de educação, saúde e previdência, em especial a criação de emprego”. Ao contrário do que busca fazer crer o Manifesto anti-cotas, estas duas propostas não são conflitantes e sim complementares.
O que muitos dos signatários do manifesto teriam que explicar é: por que, durante anos, compactuaram com o desmonte do Estado brasileiro promovido pelo tucanato e, inclusive, por que fizeram campanha para sua volta ao poder?
A retórica liberal e a retórica socialista
Sabemos que o limite da ideologia jurídica liberal burguesa é a garantia da igualdade formal de direitos. Para os socialistas os limites burgueses são os patamares básicos (mínimos) para construção do um projeto que deve se assentar, fundamentalmente, na igualdade real – econômica e social.
De fato, como diz o Manifesto anti-cotas, o “princípio da igualdade política e jurídica dos cidadãos é um fundamento essencial da República e um dos alicerces sobre o qual repousa a Constituição brasileira”. Eis aqui expressa com todas as letras a síntese do constitucionalismo liberal-democrático burguês: garantir para todos os cidadãos e cidadãs a igualdade política e jurídica. A igualdade econômico-social, que garantiria o pleno exercício das demais liberdades, está para além do horizonte (de classe) desses setores sociais.
Assim, é um erro grosseiro a conclusão a que chegam os liberais de que “este princípio (da igualdade política e jurídica) se encontraria ameaçado de extinção por diversos dispositivos dos projetos de lei de Cotas e do Estatuto da Igualdade Racial”. Será que a garantia de cotas raciais e sociais estariam violando a igualdade política e jurídica dos cidadãos? Acredito que não.
Isso me lembra o brado dos escravistas contra as leis emancipatórias que, segundo eles, ameaçavam o sagrado direito de propriedade. Ou a grita dos capitalistas quando da aprovação das leis sociais que, também segundo eles, violariam a liberdade individual ao impedir a livre negociação entre patrões e empregados. Como já se disse: quantos crimes podem ser cometidos em nome da liberdade.
A lógica socialista, pelo contrário, afirma que as cotas (sociais ou raciais) podem ajudar a construir as condições mais justas para que a maioria da população possa exercer seus direitos a educação, a saúde, a cultura, aos melhores empregos e salários.
Sem dúvida, o direito burguês foi um grande avanço na história da humanidade. Nas sociedades pré-capitalistas - escravista ou feudal – a legislação tratava desigualmente os desiguais e institucionalizava os privilégios de classe, de estamento e, mesmo, de casta. O direito no capitalismo, pelo contrário, passou a tratar os desiguais de maneira igualitária.
Esta verdadeira revolução político-jurídica tinha um motivo. No capitalismo o produtor direto (o operário) deve ser juridicamente livre e igual aos proprietários dos meios de produção. Esta é a condição necessária para que a sua força de trabalho se constitua como sua propriedade inalienável e que possa ser livremente vendida no mercado de trabalho – ou seja, trocada por um salário. Sem a predominância de tal relação mercantil não poderia existir o capitalismo como uma relação de produção específica. A luta das classes populares conseguiu que isso fosse estendido para esfera do direito político.
Ao longo do século XX, o agravamento das lutas sociais levou que novos direitos fossem incorporados à “cesta básica” da cidadania moderna. Refiro-me aos direitos sociais. Todos eles conquistados contra a retórica reacionária, que os acusavam de macular a liberdade apregoada pelo liberalismo burguês clássico.
Os direitos sociais conquistados nos marcos do capitalismo – embora dêem mais conteúdo à democracia - não podem estabelecer de fato uma igualdade plena nos demais planos do direito: jurídico e político. A existência da propriedade privada dos meios de produção – a cisão dasociedade entre explorados e exploradores – é um limite intransponível para realização plena tanto da liberdade quanto da igualdade. Esta foi uma das grandes descobertas das teorias socialistas, especialmente do marxismo.
O socialismo não tem o poder de eliminar, da noite para o dia, todos os elementos do direito burguês. Mas, introduz mudanças importantes neste terreno. A principal delas é a tentativa de dar maior conteúdo às liberdades formais do capitalismo. Dar conteúdo significa ampliar a igualdade social. O que, por sua vez, significa adotar políticas que favoreçam ou privilegiem, como gostam de falar nossos liberais, as camadas populares.
Assim, o direito no socialismo, como o direito pré-capitalista, começa tratar desigualmente os socialmente desiguais. O que parece aos olhos liberais um recuo é, na verdade, um grande e importante avanço – um salto de qualidade. O direito socialista é negação da negação dos direitos classistas. O direito feudal e escravista tratava desigualmente os desiguais, justamente para manter a desigualdade. O direito socialista o faz para conseguir uma maior homogeneidade social.
Marx, se referindo a conquista da regulamentação da jornada de trabalho, afirmou que aquela havia sido a primeira vitória da “economia política do trabalho” sobre a “economia política do capital”, pois a ditadura (liberal) do mercado deixava de imperar soberana numa pequena parcela das relações sociais. Poderíamos, por analogia, afirmar que a política de cotas é uma vitória dos pressupostos do direito socialista sobre o direito burguês, ainda sob o capitalismo.
As leis de cotas e o povo uno
Alguns afirmam que a lei de cotas nega o fato que o povo brasileiro é um povo uno e, por isso, ao propor identidades assentadas na cor da pele estaria contribuindo para minar esta unidade, construída ao longo dos séculos, abrindo a porta para ampliação do racismo. Esta tese, que pouco tem de marxista, se esquece que reconhecer a existência de um povo brasileiro único (ou uno), não significa desconhecer que ele se divide em classes, sexos, etnias, religiões etc. Que ele, atualmente, é cindido por profundas contradições, que podem ser constatadas nas inúmeras estatísticas oficias.
Esta argumentação anti-cotas pode muito bem servir para condenar os que, por exemplo, afirmam a existência da luta de classes no país. Este, por sinal, foi o mote de todas as correntes nacionalistas conservadoras ao longo da nossa história. Para elas os que advogavam a existência da luta de classes, e tomavam partido diante dela, deveriam ser considerados inimigos da nação e eliminados dela.
Os socialistas, ao contrário, afirmam que são as diferenças sociais gritantes – que penalizam especialmente os pobres não-brancos – que engendraram a desagregação da sociedade brasileira e dificultaram o processo de construção da Nação brasileira, ainda inconcluso.
Felizmente, se isto não é compreendido pelas elites o é pela grande maioria do povo brasileiro. Vejamos a pesquisa publicada pelo instituto Data-Folha. Nela se constatou, para surpresa de muitos, que 65% da população apóiam as cotas raciais e apenas 25% são contrários a elas. As coisas ficam ainda mais nítidas quando a questão são as cotas sociais: 87% concordam com a sua adoção. Uma verdadeira unanimidade nacional.
Outro dado interessantíssimo constatado pela pesquisa é que, quando se trata das cotas raciais, o corte não é de cor e sim de classe. Pois a média de brancos e negros pobres que defendem as cotas raciais é bastante parecida. As cotas perdem apenas entre as pessoas que ganham acima de 10 salários mínimos (57%) e com nível universitário (55%).
Entre os que ganham até dois salários mínimos a aceitação é de 70% e o de escolaridade até o fundamental de 71%. Se a pesquisa apenas envolvesse os empresários, a vitória dos contrários às cotas seria acachapante. Repetiria o fenômeno que ocorreu na última eleição presidencial.
O tucano Bolívar Lamounier justificou estes dados afirmando que “as pessoas mais escolarizadas conseguem avaliar melhor questões que exigem ‘uma reflexão conceitual’ e sabem que a adoção de cotas pode trazer implicações graves para o futuro do país”. Para ele apenas os instruídos – e bem remunerados – tem condição de pensar o futuro do Brasil. Sem comentários.
Se a pesquisa fosse realizada há dez ou vinte anos atrás os resultados poderiam ser bastante diferentes. Existia uma forte presença da ideologia meritocrática, mesmo entre as camadas populares, que induzia as pessoas a acreditar que somente os mais capazes intelectualmente (e culturalmente) poderiam ascender na vida. Assim, nada mais natural que um filho de classe média (ou burguesa), que fez um bom colégio particular, pudesse acessar a uma universidade pública (e gratuita) e que o filho de uma família negra e pobre, mesmo tendo concluído o colégio, não o pudesse. Essa seria a ordem natural e imutável das coisas.
Foram as grandes lutas sociais travadas no país, a organização e politização dos setores populares, que permitiram, inclusive, um operário nordestino - e sem nem mesmo ter completado o ginasial - pudesse chegar ao posto mais alto da República. Se um operário tem capacidade para ser presidente, porque os negros pobres não a tem para ingressar nos cursos de nível superior.
As pesquisas realizadas nas universidades que já praticam o sistema de cotas puseram abaixo o pouco que ainda havia de respeitabilidade na ideologia meritocrática, engendrada pelas classes médias. Refiro-me a ilusão de que os exames de ingresso assentados em provas (e títulos) eram os únicos válidos para avaliar a real capacidade dos alunos postulante a uma cadeira universitária.
Hoje, graças à implantação de políticas afirmativas, está provado que os alunos que entraram através das cotas são tão bons e, em alguns casos, até melhores que os aprovados nos vestibulares convencionais, que têm sido verdadeira barreira ao acesso de pobres e negros.
Os dados demonstram o quanto é equivocado esta ideia que os vestibulares são garantidores de igualdade de oportunidades. Eles têm um viés que favorece determinada parcela da população e excluem outras. Ele, de forma alguma, é mais democrático e mais universalista que o critério de cotas sociais ou raciais. Só aqueles que têm os olhos encobertos pela ideologia meritocrática – pequeno-burguesa – não conseguem ver esta verdade cristalina. As classes populares, pelo contrário, já conseguem enxergar e exigem o fim das discriminações acobertadas pelo discurso da competência e da igualdade de oportunidades.
Sobre a existência das raças humanas e as cotas
Nestes últimos anos a ciência, graças ao avanço da genética, fez uma gigantesca descoberta: as raças não existem. Em outras palavras a única raça é a raça humana. A letra original da Internacional comprovou-se verdadeira. Assim, os homens de ciência apenas comprovaram de maneira cabal aquilo que os comunistas já sabiam e cantavam em suas canções revolucionárias.
O problema é que alguns passaram a se utilizar desta descoberta para dizer que não se pode falar mais em luta anti-racista. Afinal, não se pode se falar de algo que não existe. Nesta hora me vem o famoso ditado, que suponho seja espanhol, "Brujas no creo, pero de que lashay, las hay...".
O racismo é uma ideologia e como toda ideologia se materializa em práticas sociais. A constatação, por mais importante que seja, de que não existem raças, não é suficiente para eliminar o preconceito de cor e as conseqüências nefastas ocasionadas por ele. Até porque o racismo tem bases bastante profundas, seculares. Assim como a simples confirmação da igualdade entre homens e mulheres não garante a mulher uma efetiva igualdade de condições e nem elimina o machismo.
Lênin dizia: “se os axiomas geométricos se opusessem aos interesses dos homens, certamente se tentaria abatê-los”. A constatação científica de que homens e mulheres, negros e brancos, homo e heterossexuais são iguais não tem o dom de, por si só, acabar com a discriminação que pesa sobre eles. Pois eles, ao contrário dos axiomas geométricos, se opõem à interesses bastante poderosos.
Somente os iluministas – e seus herdeiros, os socialistas utópicos – acreditavam que tudo era uma questão de convencimento e que pela razão todos chegariam um dia a verdade. No entanto, não foi por meio de convencimento que a elite racista dos Estados Unidos e da África do Sul tiveram que aceitar a integração dos negros na sua sociedade. Nenhuma verdade científica (ou bula papal) levaria os reacionários a aceitar compartilhar pacificamente o seu poder e privilégios com o povo trabalhador.
Medidas paliativas – os revolucionários e as reformas
A última questão que trataremos é o velho problema da relação entre reforma e revolução. Muitos dizem que as leis de cotas são paliativas e não resolvem o problema da desigualdade social. Outros afirmam que isto apenas criará uma classe média negra que tenderá a se afastar dos demais trabalhadores. As cotas teriam o efeito nocivo de criar a ilusão de existir uma democracia racial no Brasil. Citam como exemplo o caso norte-americano.
Não há duvida de que as cotas raciais e sociais se inserem no campo das reformas. Mas, isto não significa minimizar a sua importância, pois as reformas cumprem um papel na redução da miséria e opressão que vive a classe trabalhadora e contribui para ampliar a democracia. Duascoisas que ajudam a acumular forças para atingir o objetivo principal que é a conquista de uma sociedade socialista. Isto se torna maisfácil quando as reformas são resultados de lutas amplas e massivas, dirigidas por correntes comprometidas com a transição socialista.
Os críticos afirmam que a conquista da cota, por si, não acabará com o racismo. É verdade, tal qual a conquista do direito ao voto para as mulheres e sua inserção no mercado de trabalho não acabaram com o sexismo. No entanto, não podemos deixar de constatar que a crescente participação política e social das mulheres, ainda no capitalismo, reduziu o preconceito que recaia sobre elas. No inicio, ocorreram choques – expressos em livros e filmes, que pouco a pouco foram sendo reduzidos.
Mesmo no caso norte-americano não podemos desconhecer o papel progressista desempenhado pela “discriminação positiva” do negro. Há trinta anos quase não tínhamos atores ou profissionais liberais negros. Hoje, por exemplo, existem várias séries populares em que negros são atores principais – não se trata mais de produções negras produzidos apenas para negros, como ocorria nas décadas de 1950 e 1960. Fruto desse movimento democratizante, hoje, não causa mais tanto espanto casamentos inter-raciais.
O fato de termos tido os negros Condollezza Rice e Collin Power à frente da política agressiva norte-americana, coordenando o esmagamento do povo iraquiano e afegão, não invalida a decisão de Lincoln de libertar os escravos, nem o movimento dos direitos civis e muito mesmo as leis de cotas. Estes fatos, como outros tantos, revelam apenas os limites das reformas nos marcos de uma sociedade que permanece estruturalmente desigual e injusta.
** Augusto Buonicore é historiador, mestre em Ciência Política e secretário geral da Fundação Maurício Grabois
Fonte: Site Vermelho