Associação de Professores
da PUC Goiás
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27.10.2020 Imagem materia parecer AGU Direito ImagemSegue, na íntegra, o PARECER n. 00383/2020/PROCGERAL/PFUFRJ/PGF/AGU a respeito de direitos autorais ou à imagem, no contexto do ensino a distância, em decorrência da pandemia de COVID-19:

PARECER n. 00383/2020/PROCGERAL/PFUFRJ/PGF/AGU

NUP: 23079.210954/2020-72

INTERESSADOS: GABINETE DO REITOR - UFRJ

ASSUNTOS: CONSULTA E ORIENTAÇÃO DE ATUAÇÃO - OUTROS ASSUNTOS

EMENTA: Administrativo. Consultivo. Pessoal. Educacional. Ensino à distância. Gravação de aula.

Disponibilização. Direito autoral. Direito à imagem. Consulta em tese.

1. Cuida-se de consulta jurídica, encaminhada pelo Vice-Reitor da UFRJ, a respeito de direitos autorais ou à
imagem, no contexto do ensino a distância, em decorrência da pandemia de Covid-19.

2. A referida consulta foi formulada objetivamente nos seguintes termos:

1) A quem pertencem os direitos autorais de aulas gravadas?
2) Após a gravação as aulas podem ser divulgadas fora do ambiente acadêmico de sala de aula
virtual sem a autorização do docente?
3) Existe previsão de penalidades a essa divulgação realizada sem a autorização do docente?
4) E quanto ao mau uso do material?
5) O docente deve tomar cuidados com o direito de imagem dos discentes? Quais?
6) A exposição de material ou trechos de obras para fins de ensino pode ser alvo de questionamento
pelos detentores de direitos autorais? Quais as condições em que isso deve se dar?

3. É o relatório, passamos a opinar.

4. As Universidades tem o atributo de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e
patrimonial, devendo obedecer ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, de acordo com o Artigo
207, da Constituição Federal.

5. Atendo-nos ao que ora nos interessa, que é a autonomia didático-científica, podemos concluir que as Universidades tanto podem decidir sobre “o que”  ensinar, quanto podem livremente decidir “como” ensinar. Sendo legítima então a introdução da metodologia de ensino à distância, por decisão do seu colegiado competente, conforme autorizado pelo Ministério da Educação, a fim de não interromper a prestação do seu serviço público essencial, que é o da educação superior.


6. Trata-se, portanto, de um poder/dever da UFRJ, dando concretude ao princípio da continuidade do serviço público, onde está contido o subprincípio da adaptabilidade.


7. Posto que, quanto ao direito ao Ensino, há garantia expressa na Constituição Federal, que não pode ser suprimida com a descontinuidade do exercício deste direito:


Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.


8. Se a constituição atribui a toda a sociedade o dever de colaboração com a promoção do ensino, com mais razão o servidor público da educação, em especial, o docente, tem o dever, nesse caso funcional, de colaborar com a iniciativa de evitar a paralisação do ensino superior. Nesse sentido, dispõe o seu estatuto (L. 8112/90):


Art. 116. São deveres do servidor:

I - exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo;
II - ser leal às instituições a que servir;
III - observar as normas legais e regulamentares;
IV - cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;
V - atender com presteza:


9. É nesse contexto, levando-se em conta as normas legais e infralegais a que estão sujeitos os servidores públicos da UFRJ, que surge o questionamento acerca do direito autoral ou de imagem do servidor docente ou do discente em relação à transmissão de aula não presencial em substituição à aula presencial.


10. Dito isso, passaremos então a responder os quesitos que nos foram apresentados.
1) A quem pertencem os direitos autorais de aulas gravadas?


11. Não há dúvida de que aulas gravadas estão protegidas pelo direito autoral, como evidencia o Art. 46, IV, da Lei. 9.610/1998. Resta saber a quem pertence tal direito, e se há alguma relativização se o ato de ministrar aula é praticado por servidor público no exercício do seu cargo, para o qual é remunerado pelo Estado.


12. É na própria lei de proteção aos direitos autorais que podemos encontrar a resposta no caso da UFRJ, uma vez que, por se tratar de serviço público, ministrar aula pode ser considerado um ato oficial do Estado, a quem cabe constitucionalmente promover o ensino, assim como o é o ato de um juiz proferir uma sentença, ainda quando o faz oralmente, como no tribunal do júri, onde ministra o direito.


13. Não há, desse modo, para o servidor, seja ele juiz ou professor, direito autoral pelo ato que produz no exercício do seu cargo público, na prestação do serviço público para o qual é remunerado pela sociedade. Vejamos o que diz a Lei 9.610/1998:


Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:


I - as ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;
II - os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios;
III - os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções;
IV - os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais;
V - as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas;
VI - os nomes e títulos isolados;
VII - o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras.


14. Por isso, não sem razão, no âmbito da Administração Pública, importa esclarecer que o direito autoral decorrente de obras intelectuais produzidas por seus servidores, no exercício funcional, pertence ao Estado. Nesse sentido, a Escola Nacional de Administração Pública - ENAP, através do curso intitulado Noções Gerais de Direitos Autorais (Módulo 3 - Direitos do Autor), informa o seguinte:


(...) diferentemente da hipótese prevista para as obras protegidas contratadas, o Tribunal de Contas da União entende que para as obras criadas no estrito cumprimento de dever funcional não se aplica o regime de livre disposição entre as partes, de modo que o direito autoral seria exclusivo da Administração Pública empregadora.


Argumenta, a propósito, que os servidores não poderiam auferir benefícios privados decorrentes do exercício de função pública sem que haja expressa previsão legal para tanto. Nesse sentido, caso a criação de obra protegida esteja dentre as atribuições funcionais de determinado servidor, este não poderá deter qualquer direito sobre a obra, pois a LDA não o previra. Por exemplo: o servidor que possui como dever funcional a elaboração de manual, não deterá qualquer direito autoral sobre este, na interpretação do Tribunal. (grifo nosso - BRASIL. Escola Nacional de Administração Pública - ENAP. Noções Gerais de Direitos
Autoral. Brasília, 2015. Disponível em: <https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/1848/1/M%C3%B3dulo_3_DIREITOS_AUTORAIS.pdf>)


15. Não é despiciendo lembrar que isso independe de autorização do professor, posto que a relação deste com o serviço público é estatutária, e não contratual, não se confundindo com os professores de instituições privadas.


16. O mesmo não se aplica ao professor substituo, que assina contrato com a Administração. Nesse caso, por ter relação contratual, o uso de sua imagem, obrigação de gravar aulas, e a disponibilização das aulas gravadas para uso assíncrono devem constar do seu contrato, ou aditivá-lo para autorizar tudo isso. Pois, para este, rege o princípio contratual conhecido como pacta sunt servanda. Enquanto para o servidor público, que não tem contrato, vigora o princípio da
supremacia do interesse público sobre o privado, sujeitando-o às alterações legislativas ou regulamentares posteriores ao seu ingresso.

17. Voltando ao professor servidor efetivo, sendo estatutária a relação, e não havendo direito adquirido a regime jurídico, como é cediço, as atribuições do servidor podem ser acrescidas ou suprimidas, bem como podem ser introduzidas novas técnicas ou ferramentas como acontece em todas as profissões públicas, desde que compatíveis com o cargo e com a habilitação profissional ou acadêmica.


18. Assim, se passa a integrar a legislação (em sentido amplo) a atribuição de ministrar aulas à distância, por Resolução aprovada no exercício da autonomia universitária, o que gera a necessidade gravação dessas aulas para se obter a maior eficiência possível, passa a ser dever do professor observar essa norma tal qual aprovada, que autoriza o uso assíncrono das videoaulas, conforme evidencia o Art. 116 da Lei 8.112/1990:


Art. 116. São deveres do servidor:
I - exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo;
II - ser leal às instituições a que servir;
III - observar as normas legais e regulamentares;
IV - cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;
V - atender com presteza:


19. Destarte, nossa resposta ao quesito 1 é no sentido de que os direito autoral da aulas gravada pertence à UFRJ, instituição empregadora do professor que a ministra em razão do seu dever funcional de observar a norma regulamentar que lhe facultou essa função, que é típica de professor, e para o qual já é remunerado.


2) Após a gravação as aulas podem ser divulgadas fora do ambiente acadêmico de sala de aula virtual sem a autorização do docente?


20. Como dito acima, o direito autoral das aulas gravadas pertence à UFRJ. Portanto, o seu uso, desde que não seja em desvio de finalidade, ou seja, restrito ao ensino, à pesquisa ou à extensão, a esta cabe decidir.


21. Pois aquele que se torna servidor público, passa a se submeter às regras do Estatuto Público dos servidores, que é Lei n. 8.112/1990, bem como às normas e regulamentos editados pela Administração Pública.


22. Não fosse norma aprovada pelo colegiado competente facultando-lhe a adoção de atividades não presenciais, não lhe seria permitido, portanto, recorrer às normas privadas para se eximir de cumprimento de normas regulamentares aprovadas no exercício da autonomia universitária, ou impedir o uso de sua força de trabalho na implementação da política pública.


23. Pois, no cumprimento do seu dever, o servidor público tem relativizado algumas normas de direito pessoal, em nome do interesse público. Vejamos os exemplos: alguém que ocupe um cargo de gestor público não pode querer restrição à publicação de sua imagem em jornais, visto que, ao se tornar um homem público, ele está submetido ao Princípio da Publicidade. Nesta mesma linha, o próprio Estado entendeu que os salários de qualquer servidor público devem constar no site de transparência do Governo, com possibilidade de acesso por qualquer cidadão, regra que não se aplica a empregados privados.


24. No caso trazido para análise, por se tratar de uma decisão prevista dentro da autonomia universitária, e já regulamentada por Resolução do Conselho competente, e estando os servidores subordinados ao cumprimento das normas internas, a utilização de gravação da imagem e da voz independe de autorização do docente gravado, e o seu uso, visto que a decisão e autorização para assistência da videoaula assíncrona estão contidas na norma aprovada pelo referido colegiado, dentro de um processo democrático, é permitido para os fins legais da UFRJ.


25. Como dito, servidor público não tem direito adquirido à regime jurídico. Este pode mudar a qualquer tempo. A virtualização da ministração de aulas é uma realidade que se impõe, e vem sendo incorporada ao ordenamento jurídico, alterando-se as normas e costumes até então em vigor.


26. Por sua vez, a Administração deverá atentar, em relação à veiculação do material gravado (voz e imagem), para que seja utilizado exclusivamente no processo pedagógico de ensino, ou para fins de pesquisa ou extensão, já que são indissociáveis; não importando se o uso será síncrono ou assíncrono. Devendo zelar para que não haja uso diverso desses fins sem a autorização do servidor envolvido.

3) Existe previsão de penalidades a essa divulgação realizada sem a autorização do docente?


27. Quanto à imagem, a lei a protege de violação. Mas, repise-se, gravar a aula de um professor servidor público para apresentá-la aos destinatários do seu serviço público (discentes) não viola a sua imagem, que, diga-se, já é vinculada a essa atividade.


28. O que a lei protege é o mau uso, que lhe cause dano material ou moral. Disponibilizar as aulas gravadas aos alunos para assistirem de maneira assíncrona não causa dano material ou moral ao professor. Eventual mal uso deverá gerar a responsabilização de quem o fizer.


29. Porém, esse risco não tem o condão de impedir a implementação da política pública. Risco esse, diga-se, também presente em sala de aula, uma vez que não faltam equipamentos capazes de captar a imagem e o som dos professores no exercício de sua atividade, com ou sem o seu conhecimento.


30. Assim, divulgar as aulas gravadas para uso no processo pedagógico de ensino, ou no interesse da pesquisa ou da extensão não consiste em irregularidade ou violação da imagem do professor, e independe de autorização expressa deste, posto que passou a fazer parte de suas funções com a mudança da regulamentação interna introduzida pela resolução aprovada nesse sentido.


31. Por outro lado, qualquer divulgação fora desse contexto, que não esteja diretamente vinculada a função de
professor de ensino superior, depende de autorização deste, eis que desamparada pela Resolução aprovada pelo colegiado
competente ou desvinculada da função pública do professor. Sujeitando o responsável à punição nas esferas cível, penal e
administrativa, a depender do caso, e nos termos da resposta ao próximo quesito.
4) E quanto ao mau uso do material?


32. Examinaremos a legislação correlata, a começar pela Constituição Federal vigente:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano
material, moral ou à imagem;
(...)
X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(...)
XXVIII – São assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz
humanas, inclusive nas atividades esportivas.


33. O direito de imagem é um direito de personalidade autônomo, irrenunciável, inalienável, intransmissível, mas disponível. Assim sendo, a exploração econômica do direito de imagem deve ser precedida de autorização, na forma do que dispõe o artigo 20 do Código Civil:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da
indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
(...)
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
(...)
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (artes. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

34. Desse modo, em caso de mau uso, existirá penalidade ou indenização, em especial se houver uso comercial ou lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, podendo haver imposição de indenização, ação penal, ou ainda, punição administrativa àqueles sujeitos à disciplina do Estado, como os servidores públicos e discentes de instituições de ensino pública, vinculados a códigos disciplinares, a depender do caso concreto.
5) O docente deve tomar cuidados com o direito de imagem dos discentes? Quais?


35. O docente não deve fazer “uso” da imagem de discente sem autorização. Se for preciso fazer o uso, ainda que para fins didáticos, deve assegurar a prova de seu consentimento para a gravação e o uso de sua imagem, cedendo todos os direitos à UFRJ, podendo ser por escrito ou gravado no próprio vídeo. E deve tomar cuidado para não lhe atingir a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, e jamais utilizá-la para a fins comerciais.
6) A exposição de material ou trechos de obras para fins de ensino pode ser alvo de questionamento pelos
detentores de direitos autorais? Quais as condições em que isso deve se dar?

36. A resposta está na própria Lei sobre direitos autorais (L. 9.610/1998):
Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:
(...)
III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra;
(...)
VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;
(...)
VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida
nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.


37. Portanto, não vislumbramos possibilidade de questionamento se a exposição dos trechos, obras ou materiais for para fins didáticos ou de estudo, sendo exigido como condição, apenas, que seja feita referência ao autor, indicando-se o seu nome e a origem da obra.


É o parecer.


À autoridade consulente.


Rio de Janeiro, 15 de julho de 2020.


RENATO CANDIDO VIANNA
Procurador Federal
PROCURADOR-CHEFE


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