O valor do trabalho humano e a dignidade suprema
Professor Paulo Henrique Nunes*
A morte de ativistas em favor da defesa dos direitos dos trabalhadores e do meio ambiente mancha novamente o nome do Brasil. A imprensa internacional – da Al Jazeera à CNN – conferiu especial atenção ao assassinato do sindicalista José Cláudio Ribeiro da Silva e de sua esposa, Maria do Espírito Santo, em Nova Ipixuna (PA). O mesmo vale para a morte covarde de Adelino Ramos, o Dinho, em Vista Alegre do Abunã (RO).
Os tristes episódios que marcam o fim de maio de 2011 reavivam a imagem de Chico Mendes – morto em dezembro de 1988 – e abre espaço para o surgimento de novos mártires na Amazônia. Tudo isso num momento em que o Brasil se prepara para sediar um grande evento internacional, antes da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016: a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável em junho de 2012.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – por meio da Comissão Episcopal Pastoral para Caridade, Justiça e Paz – se manifestou sobre os covardes assassinatos. Em declaração de 26 de maio, a CNBB se refere ao casal morto em Ipixuna como “líderes camponeses”. Dias depois, Dom Guilherme Antônio Werlang – presidente da Comissão Pastoral – enviou uma declaração ao Arcebispo de Porto Velho uma nota na qual faz referência ao “líder do movimento camponês de Corumbiara”.
As declarações, disponíveis nos sites da CNBB e da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, resgatam o papel da Igreja Católica na luta pelos direitos dos trabalhadores no Brasil.
Entretanto, em Goiás, a Pontifícia Universidade Católica (PUC) insiste em manter uma posição que vai de encontro aos direitos dos trabalhadores e à representação sindical dentro de seus próprios muros.
Há pouco um delegado sindical, professor Goiaz do Araguaia Leite, foi demitido sem justa causa por ter completado 70 anos. A Associação dos professores (APUC) já propôs a remoção da cláusula que prevê demissões semelhantes do acordo coletivo – considerada ilegal por sentença da Justiça do Trabalho – mas a Reitoria se nega a discutir o assunto. Tudo que a PUC aceitou negociar foi um reajuste que está muito abaixo das perdas acumuladas ao longo dos últimos anos (6,3%) e a manutenção da convenção coletiva da forma como está. Traçando-se um paralelo entre o aumento do valor da mensalidade e do número de ingressantes, percebe-se um nítido descompasso entre arrecadação e política salarial.
Mercantilização do ensino e precarização das condições de trabalho
Além do fim da demissão compulsória aos 70, a APUC apresentou uma série de reivindicações à reitoria. Dentre outras, figuram na lista: promoção horizontal e vertical – conforme previsto nos regulamentos da carreira; licença-maternidade de seis meses; concurso interno para que os professores horistas tenham chance de ascender à condição de tempo contínuo ou integral (compromisso assumido, mas nunca honrado); licença para qualificação. A PUC pode demitir por justa causa, independentemente da idade, mas insiste na demissão daqueles que lhe dedicaram a vida; nega-se a implementar uma política justa de promoção; exige que os professores contratem e paguem pelos serviços da editora universitária na publicação de livros resultantes de suas atividades de pesquisa; robotiza pesquisadores transformando-os em meros “dadores de aula”.
Contradição na prática
Eis um paradoxo: o Presidente, o Vice-presidente e o Secretário Geral da CNBB assinaram em 29 de abril de 2009 um manifesto em defesa da família. Lê-se no documento, aprovado na 47.ª Assembleia Geral da entidade: “A família goza do direito de ser assistida por políticas públicas governamentais e sociais que possibilitem o seu acesso à vida digna, à alimentação, à saúde, à moradia, ao salário justo, à educação e escola para os filhos, à formação profissional, ao descanso, ao lazer e à infraestrutura sanitária”; e um pouco mais adiante: “Os meios de comunicação, os poderes públicos, os profissionais de saúde, as universidades, o sistema educacional, as empresas, as instituições e os organismos não-governamentais e todas as igrejas são conclamados a promover os valores da família e agirem como seus amigos”. Como é possível que a PUC se negue a dialogar até mesmo a ampliação da licença-maternidade de suas professoras e servidoras administrativas de quatro para seis meses?
O bom senso leva à conclusão que a Reitoria presta um desserviço à Igreja Católica. A concessão do título de “Pontifícia” em setembro de 2009 aumenta a responsabilidade da universidade perante o Vaticano. Assim, por mais que a instituição tenha seu nome vinculado a uma ordem religiosa, vê-se nitidamente um abismo entre discurso e praxis. E quanto mais distantes esses elementos mais evidente se torna a hipocrisia.
*Paulo Henrique Nunes é professor efetivo da PUC Goiás, bacharel em Direito (UFG), especialista em relações internacionais (PUC Goiás), mestre em Geografia (UFG) e doutorando em Ciências Políticas e Sociais na Universidade de Liège (Bélgica)