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Segundo o Índice de Democracia da Unidade de Inteligência da revista inglesa The Economist, o Brasil é 51º colocado entre 165 democracias avaliadas no mundo

A democracia brasileira, com seus 32 anos, já teve grandes conquistas desde a seu restabelecimento em 1985, como o voto direto, processo eleitoral confiável, a liberdade de expressão. Entretanto ela ainda é considerada imperfeita e está longe de ser classificada como plena — mais precisamente a 1,1 ponto de distância disso, segundo o Índice de Democracia da Unidade de Inteligência da revista inglesa The Economist.

Na pesquisa realizada pela publicação, atualmente o Brasil aparece na 51° posição, entre 165 países, com a nota 6,9. Apenas são consideradas democracias plenas os países que somam mais de 8 pontos (a pontuação máxima é 10) na avaliação, que leva em conta cinco aspectos principais: processo eleitoral e pluralismo, funcionamento de governo, cultura política, participação política e liberdades civis. 

O índice, calculado desde 2006, mostra que nos últimos dois anos a democracia no Brasil vem regredindo: o país caiu sete posições no ranking durante este curto período. Inúmeros problemas podem ser levantados para justificar tal queda, como a crise econômica e os escândalos de corrupção, mas o calcanhar de Aquiles da democracia brasileira ainda é o mesmo de dez anos atrás: a cultura política. 

Para a composição deste indicador são levados em consideração itens como a separação entre governo e religião e a própria percepção das pessoas quanto à democracia e ao tipo de regime em que vivem. Neste quesito o Brasil tem uma nota de 3,75, equivalente à vizinha Bolívia, que ocupa o 90° lugar. 

Participação política

O professor da PUC-PR, Masimo Della Justina, acredita que isso se explica pelo fato de que alguns grupos de grande influência têm conduzido a agenda política brasileira em prol de interesses particulares, que não são os mesmos objetivos da maioria. “Eles sequestram a agenda política para si e desse modo acabam traindo a população. Isso tem reflexos negativos na cultura política do país”, afirma. 

A participação política, que mede a representatividade das minorias no cenário político, atuação das mulheres no Congresso e engajamento da população com assuntos de caráter político, também é um desafio para a democracia brasileira. Trata-se da segunda pior nota do País entre os cinco indicadores utilizados pela The Economist (5,56), embora o Brasil tenha aumentado a pontuação neste quesito em 2016. 

Cidade Modelo

Juntos, estes dois indicadores avaliam o capital social de uma democracia. Conforme o gestor do projeto Cidade Modelo (que tem como uma de suas atividades criar um índice de democracia local em Curitiba) do Instituto Atuação, Jamil Moises Frare Assis, o desempenho do Brasil nestes dois tópicos está muito ligado ao nível de confiança entre as pessoas. “O fato de não confiarmos uns nos outros acaba com o nosso interesse em participar das atividades comunitárias. Por consequência há falta de engajamento na prática, gerando também a falta de representatividade, seja no governo ou em organizações sociais”. 

A professora de Direito da UFPR e advogada Melina Girardi Fachin acredita que uma das influências negativas na nota do Brasil em participação e cultura política é o fato de o processo eleitoral por aqui ainda ser pouco inclusivo e baseado em um modelo excessivamente representativo.

“As pessoas estão insatisfeitas com o modelo atual. A Constituição permitiu que o povo tivesse participação direta em decisões por meio de plebiscitos, referendos e iniciativa popular, mas isso não significa que não possamos ter outras participações diretas nas decisões de governo”, diz ela, salientando a importância das audiências públicas e do direito ao protesto para o processo democrático. 

Como melhorar participação e cultura política 

A tendência é que o Brasil continue perdendo pontos no Índice de Democracia em 2017, já que a influência indevida de grupos econômicos sobre os poderes continua aparecendo em casos de corrupção ao mesmo tempo em que a crise econômica diminui a capacidade do governo de implementar serviços públicos e o nível de confiança interpessoal é praticamente inexistente - 3% segundo o estudo Latinobarometro 2016, produzido pela ONG Corporação Latinobarometro. 

Apesar disso, Assis acredita acredita que é possível fortalecer a democracia ao resgatar a cultura cívica, estimulando a participação voluntária em nível local. “Fazer algo para ajudar a comunidade que está ao seu redor, colaborando na limpeza ou segurança da sua própria vizinhança, por exemplo, vai ajudar as pessoas a criarem um senso de comunidade. É forma mais rápida de estimular os cidadãos a se engajarem em assuntos de interesse coletivo”, opinou Assis, acrescentando que o governo também tem seu papel, devendo ser mais capaz de prover serviços básicos à população, para alavancar a democracia. 

O instituto de pesquisa, estratégia e articulação Atuação aposta nisso e criou o projeto Cidade Modelo, que objetiva transformar Curitiba em referência de democracia, principalmente nos aspectos de participação social e transparência pública. A equipe, composta por diversos especialistas nacionais e internacionais, vai replicar o estudo da The Economist em Curitiba, utilizando os mesmos cinco fatores principais, mas adaptando as questões ao ambiente local.

A pesquisa, que está sendo feita com o apoio dos criadores do Índice de Democracia da The Economist, está em andamento e deve ser publicada em agosto. “Com estes dados em mãos, o objetivo será agregar um grupo de liderança multisetorial em torno de uma agenda comum para transformação em larga escala, e também tornar Curitiba um ambiente propício para inovações e iniciativas públicas que possam ser replicadas em outros locais”, informou Assis. 

Outros fatores de avaliação 

A melhor nota do Brasil no Índice de Democracia da The Economist é relativa ao processo eleitoral e pluralismo (9,58) e como pontos fortes é possível citar o voto direto e a urna eletrônica. Justina acredita que um elemento chave do processo eleitoral poderia ser modificado em prol do amadurecimento da democracia: eleições prévias dentro dos partidos para decidir qual candidato irá disputar o pleito. “O comportamento que vemos hoje dentro dos partidos, com chefões que decidem tudo, abafa o surgimento de novas lideranças”, justificou. 

No quesito funcionamento de governo, o Brasil tem visto a sua nota diminuir, mas mesmo assim, ainda obtém resultado mediano (6,79). Este item mede a transparência de governo, influencia militar ou ainda de poderes externos sobre o governo, e, embora o estudo da The Economist não divulgue os motivos que levaram ao rebaixamento da nota, uma das possíveis razões para que isso tenha acontecido é a descoberta de vários esquemas de corrupção nos últimos anos. 

As liberdades civis no Brasil também tiveram uma nota pior em 2016 (8,82) em relação a anos anteriores. Segundo Justina, isso pode ter ocorrido em função da violência em manifestações, tanto por parte da polícia quanto de alguns grupos de manifestantes, e também a utilização de instrumentos jurídicos para silenciar pessoas. “Na minha percepção o governo Temer é o que mais tem feito esse enquadramento de vigilância de quem discorda dele. E quando se trata de manifestações, a intimidação por meio do policiamento são evidentes. Já nas esferas municipal e estadual temos visto governadores utilizando a lei para silenciar críticos”. 

De uma maneira geral, os três especialistas acreditam que o Brasil está mal colocado no Índice de Democracia, mas Fachin lembra que o importante é que este índice e seus resultados sejam utilizado de forma que os cidadãos possam repensar a democracia e ver esse processo de intensa efervescência política como mais uma fase para o amadurecimento da democracia brasileira.

Fonte: Gazeta do Povo

 

Veja aqui também o vídeo da mesa de abertura do II Salão do Livro Político, intitulada "Que democracia?", com a filósofa Marilena Chaui, o jurista Fabio Konder Comparato, o filósofo Vladimir Safatle e  mediação  do historiador e cientista político Gilberto Maringoni.


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