Associação de Professores
da PUC Goiás
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João Batista Valverde
A instituição universitária brasileira, hoje bastante travestida de organização, tem manejado a esfera acadêmica que a constitui, subordinando-a aos aspectos próprios da organização e da gestão . Essa metamorfose não é imediatamente perceptível em todos os seus matizes. A multissecular tradição sociocultural universitária tem, no mundo contemporâneo, se adaptado mais ou menos aos paradigmas da tecnociência e do mercado. Esse movimento, na sua constituição nuclear, traz um dilema que pode ser tipificado.

A noção de progresso , constituinte da modernidade, tem atravessado a instituição universitária como uma firme crença de que se estivermos sintonizados com ela, não haverá maiores riscos. Talvez seja essa a razão pela qual nos alienamos a um ritmo alucinante, próprio da racionalidade técnica, que comanda a ideia de progresso. Contudo, a tradição universitária ocidental tem se caracterizado, ao longo do tempo, por deixar-se atravessar pelas determinações próprias de seu tempo, mas também por estar sempre além dessas determinações.

A formação acadêmica, muito além do treinamento de habilidades e competências, é o que tem caracterizado a instituição universitária em sua tradição própria. A formação, assim como entendida aqui, é uma referência ao passado da cultura, remontando às questões que esse passado pode propor para o presente, relacionando o que foi constituído pela tradição, com o instituinte presente. Assim, ao abandonar-se ao presente que a perpassa, sem manter-se fiel a sua tradição própria, a universidade caminha rapidamente rumo à sua desinstitucionalização.

Ora, ao nos ocuparmos com a compreensão do presente é importante que o entendamos assim como ele se nos apresenta, isto é, como lapso de tempo, entre a tradição do passado e o futuro prospectivo. Assim compreendido, o presente se mostra como um flash temporal tão fugaz que merece um cuidado especial ao ser tratado, dada sua relatividade. O que é constitutivo do presente, e que desfaz a tudo e a todos na liquidez que lhe é própria, perpassa, simultaneamente, indivíduos e instituições, com suas múltiplas determinações.

Do universo das instituições de ensino superior no Brasil, quero destacar aqui as instituições comunitário-filantrópico-confessionais. Dada a sua peculiar condição na estrutura universitária brasileira, elas já começaram a sofrer dos males de políticas públicas de sucessivos governos, que as comprimem entre um modelo estatal e outro privado-mercantil. O canto de sereia, que as encantam a todas, é a crença de que seus problemas são todos de gestão e, portanto, centrando aí seus esforços, não enfrentariam riscos graves. O maior risco, contudo, é não saberem o que realmente está em jogo.

O legado da nossa breve tradição universitária brasileira, uma vez dissolvido na fluidez líquida do presente, desorienta as instituições e as fazem presas de um presente sem passado. Desorientadas como instituição e reorientadas como organização, as universidades trilham seus próprios caminhos rumo à eficácia gerencial e o desastre acadêmico. Em outros termos, a desinstitucionalização universitária, focada na gestão, opera uma inversão entre meios e fins, descaracterizando-se. Ouso dizer que o mal-estar que hoje experimentamos em nossas universidades comunitárias e confessionais tem raízes firmemente presas neste subsolo.

O mal-estar na instituição universitária diz respeito à assumida centralidade da dimensão gerencial em detrimento da dimensão acadêmica de ensino, pesquisa e extensão. Tal ênfase gerencial tem reforçado sobremaneira o centro institucional de poder universitário, que se estrutura verticalmente e, consequentemente, tem debilitado as relações horizontais de resistência a esse processo em curso. Isolada e centralizada a gestão procura afirmar-se numa espécie de inversão entre meios e fins, girando em torno do seu próprio eixo de poder.

João Batista Valverde é Professor de filosofia da PUC Goiás

Clique aqui para ler o artigo publicado no jornal Diário da Manhã


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