No Congresso Nacional, outra ameaça ganha força nas comissões da Câmara dos Deputados e pode se transformar no braço mais perverso e efetivo da guinada neoliberal em curso no Brasil. Trata-se da Proposta de Emenda Constitucional 241/2016, aprovada no dia 09/08, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, por 33 votos a 18, e que agora está sendo analisada em uma comissão especial. A medida propõe um novo regime fiscal para o País: estipula um teto para os gastos sociais e congela os valores destinados às pastas da área por 20 anos. Como em propostas anteriores, a exemplo do Projeto de Lei Complementar (PLP) 257/2016, que foi aprovado também esta semana, a medida recai sobre os trabalhadores/as, os/as servidores/as e os serviços públicos e, especialmente, em áreas essenciais à população brasileira como educação, saúde e previdência social.
A nova norma fiscal inverte a lógica em vigor: em vez de uma obrigação mínima de gastos nas áreas, que pode ser ampliada de acordo com as demandas destes diversos setores essenciais, os governos (federal, estadual e municipal) terão um teto para trabalhar. Este teto será a despesa do ano anterior corrigida apenas pela inflação (o IPCA, do IBGE).
E os governantes não poderão ultrapassá-lo sob risco de serem penalizados nos anos seguintes com a proibição de medidas que aumentem o gasto público, como o reajuste salarial de servidores públicos, criação de cargo, emprego ou função, alteração de estrutura de carreira, admissão ou contratação de pessoal e realização de concurso público.
Nos moldes da PEC em questão, mesmo que o país volte a crescer e aumentar seus rendimentos, o governo não poderá incrementar as despesas nesta área, já que terá de respeitar o regime fiscal vigente. Tudo isso para atender às demandas do mercado financeiro e cumprir com as altíssimas taxas de juros da dívida pública.
Sobre este assunto, o ex-ministro José Gomes Temporão declarou durante seminário em São Paulo no mês passado que, se essa regra vigorasse há 20 anos, o país viveria uma situação de barbárie social. E cita avanços na saúde no período:
“Não teríamos o programa de imunizações, que é o maior do mundo, não teríamos o programa de Aids, que é um dos mais respeitados do mundo, não seríamos o segundo maior país em transplantes de órgãos, não teríamos os 100 milhões de brasileiros cobertos pelo Programa de Saúde da Família e o impacto, dando só um exemplo, da redução dramática da mortalidade infantil”.
Isso porque, a camisa de força proposta pela PEC 241 vai transformar em lei constitucional um modelo que reduzirá barbaramente os gastos públicos. O médico Drauzio Varella declarou, publicamente e de forma contundente, ser contra a PEC e o desmonte do SUS que ela promove.
"Não tem sentido a correção ser feita às custas da inflação, por que a inflação médica, dos serviços médicos, dos equipamentos, dos novos remédios, das novas tecnologias, é muita mais alta", diz Varella, lembrando que, ao longo dos anos, a redução de recursos levaria a um dramático sucateamento do sistema público. "E à medida que o governo vai cortando recursos, nós deixamos grandes massas populacionais desassistidas".
Para se ter uma ideia do tamanho do estrago, se entre 2005 e 2015, por exemplo, a regra estivesse sendo aplicada, o orçamento da saúde teria sido reduzido à metade do que foi, efetivamente, na década, e na educação esta diminuição seria ainda mais radical, para um quarto do recurso gasto, uma perda da ordem de R$ 350 bilhões. Isto porque houve um importante aumento nos investimentos nestes setores desde as primeiras gestões de Lula, que seguiram crescendo no governo de Dilma Rousseff.
A estimativa foi realizada pelo pesquisador e especialista em orçamento público Flávio Tonelli Vaz, em reportagem para o jornal Le Monde Diplomatique. O estudo de Vaz, que elucida o cenário proposto pela PEC, pode ser conferido na íntegra aqui.
A eventual aprovação desta proposta de emenda à Constituição, que deverá ser votada ainda este ano, é o passaporte livre que os golpistas precisam para seguir com seu projeto de desmantelamento dos direitos sociais e trabalhistas, tendo ao seu lado a legitimidade da lei - mesmo que não tenham a legitimidade do voto.
Fonte: CTB e Jornal CGN
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