Altair Sales Barbosa
A grande maioria das universidades brasileiras, com exceção de algumas “ilhas” de excelência podem ser consideradas ultrapassadas no que se refere aos objetivos. Embora cronologicamente e comparativamente, sejam instituições novas em relação às universidades ocidentais, da Idade Média ou da Renascença, ou mais novas ainda, se comparadas com as universidades árabes, como a Universidade do Níger criada no século XI, para conhecer o mundo, o povo do mundo e a história do mundo, as universidades brasileiras mais se assemelham a organismos corroídos pela osteoporose, com estruturas epistemológicas fracas que contribuem para impossibilidade dessas universidades andarem por conta própria.
Aliada a esta estrutura, associa-se a miopia de alguns dirigentes que nem sequer tem a competência necessária para implantar uma reforma que seja capaz de minimamente recuperar a missão da universidade perdida no tempo.
A principal causa de toda essa situação é que os modelos de universidades foram transplantados para o Brasil, sem levar em consideração as vocações da Terra, e, quando uma ou outra consegue tal façanha, logo a miopia da qual falamos, ofusca o brilho das metas, objetivos e missão.
Somos conscientes de que não é fácil identificar os problemas da universidade, no contexto de um País de escala continental e de estruturas subdesenvolvidas, como o Brasil. A universidade, no primeiro mundo, pode ser considerada um centro, sem grandes problemas, do ponto de vista do desempenho de seus papéis básicos, de refletir, de pesquisar, e de ensinar com tranquilidade, para levar à sociedade o conhecimento acumulado e o conhecimento em produção. No terceiro mundo, porém, principalmente numa área carente como é a região Central do Brasil, a universidade se defronta com necessidades muito mais dramáticas e urgentes que a levem a integrar, em seus objetivos básicos, a luta encarniçada pela superação do subdesenvolvimento das populações de que faz parte, e ainda tem a missão de fazer tudo aquilo que uma universidade deve fazer para recuperar, seletivamente, o conhecimento acumulado, através dos tempos e, sobretudo, dos novos tempos, a fim de transmiti-lo à sociedade a que serve.
Na ânsia da busca de soluções, alguns dirigentes centram seus vetores em modelos internacionais e na velocidade entre o eterno e o efêmero esquecem as implicações básicas da globalização.
A globalização é um fenômeno voraz. Num primeiro momento se caracteriza pela ocupação do território, e num segundo momento é caracterizada pela fragmentação deste. Sendo que o território é a matriz da vida social, econômica e política de um povo. O humanismo como modelo de desenvolvimento e progresso é substituído pelo modelo do consumo e pelo descompromisso social e moral. Por estas razões torna-se necessária a criação de um novo modelo de universidade, não só para amenizar e tentar solucionar os problemas que só agravaram com o passar dos tempos, mas também que traga alguma luz para os problemas atualmente existentes na Região do Cerrado.
De todas as matrizes ambientais brasileiras, o cerrado é a que sofreu as maiores modificações predatórias nos últimos anos, tanto no que se refere aos elementos físicos, como bióticos e sociais. Essas modificações estão desenhando um cenário estarrecedor para um futuro não muito distante. Muitos dos problemas oriundos dessas modificações não possuem no momento soluções científicas e ou tecnológicas. Alguns estudiosos afirmam inclusive que grande parte destes é irreversível. Surge, portanto, a necessidade de busca de um modelo de universidade que contribua com a produção de conhecimentos para amenizar os impactos visando uma melhor qualidade de vida.
É possível a busca de novas ideias ou novos modelos? A resposta é plenamente positiva. E, há vários caminhos que podem se intercruzarem nesta busca pelo aperfeiçoamento. Um caminho, por exemplo, é transformar cada curso criado dentro dessa nova estrutura universitária em projetos integrados com objetivos claros, metas, cronogramas, etc. Um exemplo: os alunos que buscam áreas de conhecimento diversas, ao ingressarem no ensino superior teriam um percentual da carga-horária do seu curso específico, destinada ao aprendizado dos “universais” conteúdos básicos que compõem sua área de conhecimento. O contato com os universais permitirá compreender a ontologia de sua área, além de resgatar os conhecimentos essenciais produzidos ao longo do tempo. O curso seria complementado com a distribuição dos alunos em projetos multidisciplinares, de acordo com suas aptidões. Os projetos seriam coordenados por professores/pesquisadores sêniores. Nestes projetos, os alunos fariam a sua complementação curricular, só que ao invés de trabalharem temas aleatórios, trabalhariam temas específicos, de acordo com as necessidades de cada projeto.
Cada grupo multidisciplinar integraria um Projeto Específico. Seriam criados vários. Por exemplo: vamos supor que fosse criado um “Projeto denominado Guariroba (Syagrus oleracea)” com seus objetivos bem definidos.
Os estudantes de agronomia, matriculados neste projeto, iriam complementar seu curriculum, estudando, experimentando e plantando guariroba. Os estudantes de geografia, por sua vez, completariam seu curriculum tendo a guariroba como tema central. Poderiam estudar técnicas de Cartografia mapeando as ocorrências da guariroba, ao invés de temas aleatórios, poderiam estudar biogeografia da guariroba, poderiam estudar todas as relações, sociais, humanas e ambientais associadas com a guariroba e assim por diante, de acordo com a criatividade. Os estudantes de química poderiam explorar as potencialidade desta planta e suas inúmeras aplicabilidades e com isto, da mesma forma que os outros alunos, complementariam o seu curriculum com temas específicos. Assim também poderiam ser os estudantes de outros cursos. E os projetos poderiam ser infindáveis. Esta metodologia traria inúmeras vantagens comparadas com a metodologia atual:
• Possibilitaria a formação integral do aluno, incluindo a formação de novas mentalidades, pois o aluno de determinado curso teria a oportunidade de ampliar sua visão, através de diálogos com alunos dos diferentes cursos que integram o mesmo projeto. Assim por exemplo, um engenheiro civil, que conviveu num projeto com biólogos ou com geógrafos, por exemplo, certamente incluirá nos seus projetos de rodovia, dentre outras, a noção de corredores de migração faunística, que somente no curso de engenharia civil seria impossível adquirir tal noção.
• Possibilitaria a criação de conhecimentos sobre temas específicos previamente escolhidos. Por exemplo, quando os alunos iniciam determinado projeto, como o da guariroba, o conhecimento sobre o tema é X, quando termina o curso, o conhecimento é x+y. Ainda pode-se ressaltar que o tema pode ser retomado e acrescido em projetos de pós-graduação.
• Hoje uma angústia administrativa financeira, sem horizontes claros, norteia o dia a dia da Universidade. Um modelo como este produziria recursos econômicos, insumos e tecnologias que poderiam ser utilizados para implantação de empresas e gerar novos projetos. Os inúmeros produtos que por ventura não estivessem no universo do interesse imediato e planejamento da instituição, poderiam se constituir na matéria prima básica para a implantação de empresas incubadas, montadas e dirigidas pelos alunos e orientadas pela própria instituição. Quando as empresas incubadas dessem retorno econômico, um percentual poderia voltar à incubadora para financiar novos projetos.
• Produzindo seus insumos econômicos e de sobrevivência e desenvolvimento, através de iniciativas planejadas, este modelo, não dependeria de verbas públicas e as hoje consideradas tradicionais Universidades Privadas ou Comunitárias provavelmente não necessitariam cobrar anuidade de seus alunos. O raciocínio é simples: os alunos, nesse modelo, seriam geradores e cogestores da produção e do patrimônio.
• Outra vantagem deste modelo, é facilitar a retenção nos quadros da instituição dos “alunos ditos geniais”, tal qual um time de futebol aproveitando e não liberando seus craques. Além do mais, as inúmeras possibilidades empresariais, através dos processos de incubação ou incentivo à criatividade, abririam espaços para iniciativas de horizontes tão amplos que criariam inúmeras possibilidades de emprego. Dessa forma, melhorando a qualidade dos produtos, a originalidade, faria com que toda a sociedade pudesse lucrar com uma melhor qualidade de vida.
• Este tipo de criação, ou iniciativas empresariais, não se restringe apenas às tecnologias, muito pelo contrário, o leque é tão abrangente, que seria impossível nominá-los neste espaço, mas, só como lembrança, oscila desde a criação de essências vegetais nunca exploradas, plantações homogêneas ou consorciadas, empresas de alimentos, instrumentações, robótica, até por exemplo produções literárias, vídeos educativos, mídias musicais e culturais, pacotes para programas de radiodifusão etc, dependendo dos projetos criados e orientados.
• Outra grande vantagem deste modelo, é que o saber popular dito não acadêmico, teria seu espaço para enriquecer o saber global. Não haveria distinção entre saberes. A competência seria a estrela guia das iniciativas.
Ideias de uma Estrutura para Discussão
Natureza
A Instituição a ser estabelecida terá a natureza científica, tecnológica, pedagógica, estratégica e de extensão.
Missão
Produção de conhecimentos para auto sustentabilidade ambiental, social e econômica
Função
Formação de profissionais capacitados para responder as necessidades emergenciais, tendo como objeto central de estudo o Sistema Biogeográfico do Cerrado, sem nunca perder o caráter universal.
Princípios de Funcionamento
- Centrará suas ações no desenvolvimento da pesquisa científica, ensino de alto nível qualitativo e programas de estratégia geral, levando em consideração os seguintes elementos:
• Vocação regional;
• Realidade de mercado;
• Concepção global;
• Necessidades emergenciais;
• Obras de infraestrutura;
• Ações facilitadoras.
- As atividades serão desenvolvidas através de Programas interdisciplinares que podem se desdobrar em projetos e subprojetos, incluindo os cursos regulares formais e informais.
- Os Programas a serem desenvolvidos além da produção de conhecimentos deverão caminhar no sentido de buscarem auto sustentabilidade e gerarem recursos econômico/financeiros para a Instituição.
Cursos Formais
Os cursos deverão ser estruturados em módulos de tal forma que conduzam os alunos para a produtividade de conhecimentos e produção de insumos para a Instituição.
Os módulos devem também ser estruturados de tal forma, que possam permitir, aos alunos que por ventura abandonarem o curso, mas que tenha cursado um ou mais módulos completos, possam receber um certificado a ser qualificado e definido pela Instituição de acordo com as normas da LDB e CBP (Código Brasileiro de Profissões).
Os cursos, dependendo da sua natureza deverão ter prioritariamente três módulos. No caso de cursos que permitam a licenciatura, um quarto módulo com disciplinas pedagógicas deverá ser acrescido.
Módulos
Primeiro Módulo – Os Universais
Engloba os conhecimentos teóricos básicos e conceituais, que constituem os universais da área de conhecimento específica.
Segundo Módulo – As Metodologias
Consiste no aprendizado de Lógica, Metodologias e Técnicas de Pesquisa de acordo com a área de conhecimento.
Terceiro Módulo – Programas e Projetos
Consiste no desenvolvimento de Programas e ou Projetos específicos e interdisciplinares, cujo objetivo é complementação curricular; produção de conhecimentos e produção de insumos.
Quarto Módulo – Licenciaturas
Consiste no aprendizado de disciplinas pedagógicas orientadas para a formação de profissionais que possam atuar no magistério.
A Instituição poderá ter ainda vários Cursos Tecnológicos, de acordo com o Código Brasileiro de Profissões. Estes todavia não precisam ter estrutura própria. Os alunos que optarem por uma profissão tecnológica poderão ser orientados a cursarem as disciplinas diluídas nos diferentes módulos dos cursos estruturados. Caso haja necessidade de uma ou outra disciplina inexistente nos módulos, esta deve ser criada com o código do Instituto que abriga tal área de conhecimento.
Os cursos informais não têm duração fixa e serão formulados através de Programas, de acordo com as necessidades do momento.
Institutos Operacionais e Estratégicos
A Instituição será composta por sete Institutos Operacionais e Estratégicos assim denominados:
- Instituto de Filosofia, Ética e Políticas Estratégicas;
- Instituto da Produção Editorial;
- Instituto de Tecnologia Avançada;
- Instituto de Desenvolvimento Sustentável;
- Instituto da Cidadania Planetária;
- Instituto das Cadeias Produtivas;
- Instituto de Apoio Jurídico/ Econômico/ Comercial e Relações Internacionais.
Altair Sales Barbosa é professor universitário, doutor em Antropologia e Arqueologia pelo Instituto Smithsonian (Washington, DC) e pesquisador do CNPq.
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Fonte: Assessoria de Comunicação da Apuc