Nos últimos dez anos, o ensino superior brasileiro quase dobrou, chegou ao interior, atingiu camadas mais pobres da sociedade e impulsionou o setor privado. Com isso, muita gente que não teria acesso ou que estava há muito tempo sem sentar em uma sala de aula conseguiu o tão sonhado diploma. Mas, e agora? Apesar da ampliação, o acesso ainda é restrito e a porcentagem de brasileiros com ensino superior é baixa no país. Para piorar, neste ano, o MEC (Ministério da Educação) anunciou cortes no Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) e nos repasses para as instituições federais, o que pode frear o aumento de vagas. Diante desse cenário, qual é o futuro do ensino superior no Brasil?
Brasil precisa colocar 37 milhões no ensino superior até 2024
A contagem regressiva começou em junho do ano passado, quando entrou em vigor o PNE (Plano Nacional da Educação), lei que estabelece metas para diferentes etapas de ensino no Brasil até 2024. O número de matrículas é o parâmetro mais concreto quando se trata dos planos futuros para a educação no país. De acordo com a meta 12 do PNE, que trata do ensino superior, o país precisa aumentar a taxa bruta (nº de matrículas sobre a população de 18 a 24 anos) para 50% e a líquida (nº de matrículas de jovens entre 18 e 24 anos sobre a população de 18 a 24 anos), para 33% -- atualmente os números são de 31,4% e 15,5%, respectivamente. A pedido do UOL, a consultoria Hoper fez as contas: seria preciso colocar mais de 37 milhões de alunos na universidade em dez anos. Isso significa que devem entrar na graduação uma média de 3,4 milhões de alunos por ano para atingir os índices propostos pela lei, entre 2014 e 2024. A título de comparação, em 2013 houve 2,7 milhões de ingressantes. A meta é considerada ousada por alguns especialistas e, na prática, só será cumprida se ocorrer um novo salto, parecido ao que já foi dado entre 2003 e 2013, quando o número de ingressantes na graduação passou de 1.554.664 para 2.742.950. O problema é que naquela época o Fies e as universidades públicas estavam em expansão, e o cenário não era de crise como hoje.
O gargalo do ensino médio
Para colocar mais gente na universidade, o Brasil precisa, entre outras coisas, de um ensino médio de qualidade e que faça os/as alunos/as chegarem até o fim do 3º ano. De acordo com o Censo da Educação Básica, o número de alunos nesta etapa de ensino tem registrado queda nos últimos anos. "No ensino médio, temos uma evasão na ordem de 50%. A porcentagem de jovens de 15 a 17 anos que estão no ensino médio tem caído proporcionalmente. Isso é preocupante. Há uma porcentagem de jovens que sequer tem a qualificação no ensino médio para trabalhar", afirma Elizabeth Balbachevsky, professora do departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo). Repetência e evasão são os maiores problemas do ensino médio, que tem no 1º ano o pico de defasagem entre série e idade ideal. Outro problema, indicam as pesquisas, é que quem consegue se formar não sai da escola dominando conteúdos básicos de matemática e português, nem desenvolve habilidades em comunicação, raciocínio lógico e tecnologia. O resultado é que esses dois problemas, alto índice de abandono - causados também pela necessidade de trabalhar e gravidez precoce - e a baixa qualidade do ensino, impactam diretamente o ensino superior. "Eu acho que não estão dando a devida atenção ao problema, estamos acumulando um contingente da população que deveria entrar no mercado com pleno potencial produtivo, mas entram com uma série de defasagens", afirma Balbachevsky.
O dilema do Fies
Outro fator que impacta o ensino superior é o Fies. O financiamento foi, nos últimos anos, um dos grandes estímulos do governo para o crescimento das vagas em instituições privadas de ensino superior. Desde o fim de 2014, o MEC tem anunciado mudanças no programa, que registrou um aumento de 448% no número de alunos/as. Em 2010 eram de 150 mil matrículas, número que saltou para 827 mil em 2013, segundo o último Censo da Educação Superior. Agora, o corte no programa, dizem especialistas, surge como o principal entrave para um novo salto. "No primeiro semestre deste ano, algumas instituições já registraram queda de 30% e 40% de ingressantes por causa das mudanças no Fies", afirma o CEO William Klein, da Hoper. "Agora, isso fica estagnado".
A nova cara do movimento estudantil
Se o perfil dos/as alunos/as das redes pública e privada mudou na última década, a UNE (União Nacional dos Estudantes) também está de cara nova. Marcado por presidentes e bandeiras do ensino superior público, o movimento mudou e metade dos seis presidentes empossados desde 2003 eram de faculdades privadas. É o caso da mais nova ocupante do cargo, a paulista Carina Vitral, estudante de economia e bolsista da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). "Antes do Fies e do Prouni quem entrava na universidade privada tinha mais condição econômica e precisava menos das entidades representativas. Agora, esses alunos/as não têm advogado para se defender e entram em contato com a UNE para fazer reclamações e pedir auxílio jurídico".
Os rumos do ensino superior
Apesar da meta ambiciosa de crescimento do ensino superior até 2024, o governo federal anunciou neste ano cortes no Fies, o que significa uma redução na oferta de financiamento para quem pretende entrar na rede privada. Entre as públicas, a redução dos repasses pode ameaçar a oferta de bolsas, a assistência estudantil e os projetos de pesquisa. Uma das saídas para que o ensino superior continue em crescimento, segundo os especialistas ouvidos pelo UOL, é o aumento da educação à distância, tanto na rede pública quanto na privada. "A tecnologia pode reduzir as mensalidades e facilitar o acesso dos/as estudantes de baixa renda à graduação", diz Sólon Caldas, diretor executivo da ABMES. Já secretário executivo da Andifes, Gustavo Balduíno, acredita que o ensino superior deve crescer nos próximos anos, mesmo em tempos de crise. "Há uma demanda real por mão de obra qualificada", diz. Já o MEC aponta para a consolidação da expansão pública - porém, sem novas unidades -, mais controle no Fies, monitoramento da qualidade e correção das desigualdades regionais. "Houve avanço muito grande, precisamos agora avançar um pouco mais na questão estratégica", diz o secretário executivo Luiz Cláudio Costa.
Fonte: UOL Notícias
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