A necessidade urgente de mobilização pela reforma do sistema político brasileiro é discutida pelas entidades representativas dos trabalhadores dois dias após a Câmara dos Deputados aprovar o PL 4.330, que permite que qualquer atividade seja terceirizada, golpeando a conquista de direitos trabalhistas e avanços sociais
No período preparatório das comemorações do Dia 1º de Maio, a CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), CUT (Central Única dos Trabalhadores), Nova Central, CSPB (Confederação dos Servidores Públicos do Brasil) e MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), promoveram o Seminário “A Reforma Política que o Brasil Precisa” com palestra do assessor político da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Daniel Seidel. O evento ocorreu na tarde da última sexta-feira (24/04), no Auditório do Básico (Área 2 da PUC Goiás), em Goiânia, com o apoio da UBM (União Brasileira de Mulheres), CNBB, OAB/GO (Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás), UNE (União Nacional dos Estudantes) e UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas). A Apuc foi representada pelo tesoureiro da entidade, professor Rodrigo Mariano.
Daniel Seidel apresentou o projeto de iniciativa popular da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas como ponto central para as mudanças estruturais e avanços da democracia no País, contextualizando com exemplos concretos dos reflexos do atual sistema eleitoral em votações importantes para a vida nacional que ocorreram recentemente na Câmara dos Deputados. Entre eles, a aprovação do PL 4.330/2004, que dispõe sobre a terceirização impondo retrocesso nas conquistas de direitos trabalhistas e a PEC 171/1993, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos no País.
O assessor político da CNBB conclamou os movimentos sociais a mobilizarem a população para a luta pela reforma política e também pela democratização dos meios de comunicação, inclusive apresentando uma proposta de metas para a coleta de assinaturas, tendo em vista que o projeto da Coalização pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas será entregue formalmente ao Congresso Nacional no próximo dia 20 de maio.
Enfrentamento de resistências
Houve a tentativa de um grupo de jovens de extrema direita, ligados à organização Tradição, Família e Propriedade, de tumultuar a palestra de Daniel Seidel – o que acabou se tornando um exercício prático para lidar com o enfrentamento cotidiano da intolerância ideológica. Com habilidade, o assessor político da CNBB se propôs a retornar a Goiânia para dialogar, em outro momento, com os jovens que insistiam em tumultuar as discussões.
A diretora da CTB e da Fitrae-BC, professora Sônia Maria Ribeiro dos Santos, foi agredida pelo grupo com palavras de baixo calão quando solicitou que se inscrevessem para falar. Eles também gritavam mensagens de ódio dizendo que comunistas não tinham direito de entrar em recintos da igreja católica e que deveriam estar mortos. A Fitrae-BC publicou nota de repúdio ao fato classificando as agressões sofridas pela professora Sônia e os comunistas da CTB como um atentado contra as mulheres, contra a classe trabalhadora e contra a democracia brasileira (clique aqui para ler a nota)
Ele avaliou o seminário realizado em Goiânia como muito positivo. “Percebi que este nível de debate fez com que as pessoas se mobilizassem ainda mais e percebessem que estamos enfrentando muitas resistências e forças contrárias. Por isso, precisamos estar mais organizados para fazer este enfrentamento de forma pacífica e entusiasmada com o objetivo de conquistar corações e mentes. O Brasil está mudando e vai mudar mais. Mas só vai mudar com a participação da nossa população. Para mim, o que aconteceu hoje aqui revela necessidade de ter mais espaços de debate para a gente possa arrefecer os ânimos e, a partir daí, mergulhar, de fato, naquilo que é essencial que é o fortalecimento da democracia brasileira”, pontua.
Leia, a seguir, entrevista com o assessor político da CNBB, Daniel Seidel:
Quais são os principais pontos da proposta da Coalizão pela Reforma Política?
Daniel Seidel: A proposta da iniciativa popular da chamada coalizão por uma reforma política democrática defende, primeiro, que não haja mais o financiamento de empresas nas campanhas eleitorais. O que permanece? O financiamento público que já existe somado a contribuições de pessoas físicas até o limite de 700 reais. O primeiro traço importante é esse.
Segundo: propõe que as eleições sejam realizadas em dois turnos. No primeiro turno, cada partido deverá apresentar a lista de seus candidatos em número suficiente para preencher todas as vagas existentes em disputa política com o mesmo quantitativo de candidatos homens e o mesmo quantitativo de candidatos mulheres. Todos devem realizar campanha no primeiro turno para as propostas e ideias que seus partidos defendem.
No primeiro turno, os cidadãos devem votar no número do partido. Passado o primeiro turno, deverá ser realizada a contagem de votos de cada partido - um determinado número de vagas para a Assembleia Legislativa ou para a Câmara Municipal ou para a Câmara dos Deputados. A partir da lista que já foi apresentada, o partido colocará tantos candidatos quantos ele conseguir.
Se o partido conseguir duas vagas, ele vai apresentar quatro candidaturas - sendo as quatro primeiras da sua lista pré-ordenada. A população votará nesses candidatos para escolher a ordem em que eles serão eleitos. Não importa se um é o quarto e o outro é o primeiro. O povo decidirá qual é a ordem que vai ficar. Se o resultado terá 50% de homens e 50% de mulheres ou se terá mais mulheres do que homens a gente não sabe porque dependerá da escolha da população.
Qual é a vantagem desta proposta?
Daniel Seidel: É que dialogamos com a cultura muito forte da política brasileira do eleitor votar na pessoa do candidato. Esse direito do eleitor é preservado, mas num processo que prioriza o debate de ideias. Todos os candidatos terão que convergir para as ideias que seus partidos defendam. Com isso, teremos eleições muito mais programáticas e, num segundo momento, acaba-se com aquela história de votar em um candidato e eleger outro de outro partido. O candidato só vai se eleger com os votos que derem para ele. Se aquele partido teve dois e apresentou quatro candidatos, são os dois. E assim por diante em todos os partidos.
Vamos ter na campanha eleitoral apenas o dobro de candidaturas. Se em Goiás temos na Assembleia Legislativa 41 deputados serão 82 candidatos. Não haverá mais mil e tantos candidatos que deixam os eleitores perdidos e sem tempo para que cada candidato diga a sua história. Assim, a população poderá votar com mais consciência.
Com este voto com mais consciente, acreditamos que os eleitores vão se lembrar em quem votaram, acompanhar e cobrar muito mais desses candidatos. No segundo turno, teremos um número menor de candidatos e, com isso, haverá um barateamento das campanhas eleitorais , ao mesmo tempo, em que várias pessoas poderão se associar para estar apoiando esta ou aquela candidatura.
Mesmo candidatos fortes que acabaram não conquistando o coeficiente eleitoral vão se somar e, com isso, tereremos mais reforço da organização em torno de ideias e programas. Acreditamos que a participação da sociedade será muito mais representativa no parlamento e os debates do parlamento também vão repercutir muito mais na sociedade. A proposta foi amplamente discutida por mais de 100 entidades.
Temos defendido esta proposta contra a proposta do voto distrital que elegerá só os coronéis e contra uma proposta de misturar estas duas coisas – o que complicará demais na cabeça do eleitor. Ninguém suporta mais votar em João e eleger Manuel. A gente quer votar nas pessoas e que estas pessoas depois sejam cobradas por aquilo que fizeram ou não.
Além do fim do financiamento privado das empresas, destaque os outros pontos defendidos pela Coalizão Política na reforma eleitoral?
Daniel Seidel: A regulamentação dos processos que já existem no artigo 14, da Constituição Brasileira, de democracia direta: plebiscito, a iniciativa popular e o referendo. Até hoje não há uma proposta para se fazer isso de uma forma mais exata utilizando os meios tecnológicos, utilizando urna eletrônica. O método utilizado é o mais tradicional possível porque é o que tem se mostrado factível. Acredito que com os avanços tecnológicos podem ser aprimorados.
O segundo ponto é esse incentivo para a apresentação de candidaturas que hoje representam uma parcela da população que está sub representada. Ou seja, candidatos homens e mulheres negros, homens e mulheres jovens, homens e mulheres das várias comunidades indígenas que existem no País. Com esta representação maior teremos o congresso representando os legítimos interesses da população brasileira e, com isso, as leis serão fruto de um parlamento que representa efetivamente o nosso País – e não como tem acontecido hoje, infelizmente, que representa muitos interesses das empresas que tem financiado as campanhas políticas. Defendemos o fim do financiamento de empresas, mas preservamos na nossa proposta o financiamento das pessoas físicas até um patamar limitado a 700 reais.
Qual é o papel do movimento associativo-sindical e da classe trabalhadora neste momento importante do cenário nacional?
Daniel Seidel: Justamente se dedicar de forma organizada a coletar as assinaturas necessárias e esclarecer com seus meios disponíveis seja rádio, TV, Rádio Web, conversas, reuniões, assembléias, em todos os momentos de agora para frente. Estamos nos aproximando do 1º de maio - um ótimo momento desse tema ganhar as ruas de forma massificada. Cada um de nós que participamos destas entidades, também como pessoa física, podemos dispor de uma parte do nosso dia para ir a lugares públicos, de grande circulação, com uma mesinha ou uma prancheta e coletar assinaturas.
As pessoas precisam saber que essa proposta é da população brasileira, que vem da sociedade civil e de entidades que possuem uma trajetória de serviços prestados à democracia. Por isso, merecem toda a credibilidade para fazer avançar esse processo. É um engajamento concreto e real coletando assinaturas e, depois, participando, no próximo dia 20, da entrega dessas assinaturas no Congresso Nacional para que possamos realizar um movimento bonito de manifestação em favor da democracia e da garantia de maior participação da população no processo decisório do nosso País.
Qual a sua mensagem para os trabalhadores que ficaram desesperançosos com a aprovação do projeto de lei da terceirização na Câmara dos Deputados?
Daniel Seidel: Quando se organizaram e se manifestaram, os trabalhadores conseguiram fazer com que os deputados recuassem da votação. A aprovação que aconteceu foi uma manobra de raposa velha para o Congresso aprovar uma proposta que desconstrói direitos sociais construídos há mais de 70 anos. O que precisamos fazer é alterar a composição do Congresso Nacional . E se altera a composição do Congresso Nacional por meio de uma ferramenta pacífica que é a Reforma Política.
Mas esta luta não terminou. Temos no Senado ainda uma outra oportunidade de pressionar democraticamente, pacificamente, para que os recuos que aconteceram na Câmara sejam alterados. Além disso, depois, na sanção presidencial - se é que vai chegar a este ponto - temos ainda a possibilidade, por meio de vetos aos itens da proposição, garantir que se preserve aquilo que é essencial : os direitos dos trabalhadores. Não percamos a esperança nunca!
A direita no Brasil está bastante assanhada e isso está fazendo com que tenha um efeito muito positivo na classe trabalhadora que é a construção da sua unidade. Temos que trabalhar, ao mesmo tempo, de forma preocupada e com o coração esperançoso para a gente avançar cada vez mais. Agora, com mais unidade para que nossa força exerça maior na pressão política no Congresso para que os trabalhadores sejam respeitados e a classe trabalhadora seja considerada como construtora da riqueza deste País.
Fonte: Carolina Skorupski , Assessora de Comunicação da Apuc