Associação de Professores
da PUC Goiás
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Preocupada com a ocorrência de atitudes de assédio moral que levam ao sofrimento de professores/as e funcionários/as da Universidade, a Apuc promoveu, no dia 9 de junho de 2011,  a Palestra e lançamento do livro "Do Assédio Moral à Morte de Si", com a professora Margarida Barreto (Médica do Trabalho; Mestra e Doutora em Psicologia Social pelo Depto de Psicologia Social da PUC-SP;Vice coordenadora do NEXIN/PUC-SP - Núcleo de Estudos Psicossociais da Dialética Exclusão /Inclusão Social)e debate com os professores da PUC Goiás, Maurício Porfírio Rosa (Juiz de Direito) e Diogo de Souza Freitas (Mestre em Direito). O evento ocorreu no Miniauditório, sala 207, Bloco "B", Campus V da PUC Goiás. O livro pode ser encontrado na sede da Apuc. Confira, a seguir, na íntegra, entrevista exclusiva sobre o tema com a professora Margarida Barreto: 

O que, de fato, caracteriza o assédio moral?

 
Margarida Barreto - São as condutas repetitivas e que o trabalhador ou a trabalhadora é constrangido/a de forma sistemática, desqualificado/a e humilhado/a, durante a jornada de trabalho, quer seja com atos, palavras ou gestos. São comportamentos em que a outra pessoa passa a ser vista como uma coisa, um objeto, sem valor, um ninguém;  é uma forma de forçar aquele/a trabalhador/a  a se desligar da empresa, pedir demissão ou mesmo solicitar mudança do setor.
 
Trata-se de um processo de verdadeira tortura psicológica em que, constantemente, por melhor que o/a trabalhador/a  faça e se empenhe,  ela/a passa a não ter reconhecimento do seu saber, é vista como sem valor dentro daquele ambiente de trabalho. O que chama a atenção é que normalmente o  assédio moral têm um evento que inaugura todas essas condutas e que pode ser uma intolerância em relação ao outro, que não pensa como o/a humilhador/a. Assim, a discriminação e a humilhação  estão sempre presente em todos os casos. Normalmente atinge aquele/a trabalhador/a que questiona, que não aceita algumas práticas de corrupção, práticas antiéticas e que não é uma pessoa mentirosa. Frequentemente, encontramos  um tripé que sustenta essas práticas: corrupção, cooptações e mentiras. Ao contrário, a vítima do assédio moral normalmente é uma pessoa que  se dedica  à empresa, à instituição, que dá o melhor de si, que evita faltar e de fato se entrega aos ideais  da empresa. Quando adoece e já não dá a produção ou na medida em que  questiona qualquer que seja a norma ou conduta que extrapole uma norma, ele/a passa a ser encarado como uma persona não grata daquela instituição. 
 
Se o trabalho dignifica o ser humano, porque o trabalho também está adoecendo o ser humano? Atualmente, o problema do assédio moral está sendo levantado por entidades associativas e sindicais de diversas categorias, da área de educação, de jornalistas, servidores do judiciário, bancários, trabalhadores na indústria química e muitas outras no País.  O que está acontecendo com o mundo do trabalho hoje?

 
Margarida Barreto -
Estão ocorrendo muitas coisas em todas as categorias. Nos últimos 20 anos, com a vinda das políticas neoliberais ocorreram mudanças organizacionais tanto no âmbito do Estado quanto dentro das empresas. O Estado se tornou o Estado Mínimo; os/as trabalhadores/as perderam os direitos conquistados durante anos; houve uma desregulamentação  da legislação, que vem crescendo; as terceirizações e quarteirizações aumentaram, tanto dentro do Estado quanto nas empresas.

Nas empresas há um componente importantíssimo que é a forma de administrar. Se na década de 70, predominava dentro das  empresas uma forma de administração pelo fordismo e taylorismo,  hoje predomina uma administração muito mais centrada no toyotismo em que o objetivo  principal é capturar a subjetividade e impor com fios de seda e sedução uma feroz sujeição. Assim,  a vontade, desejos,  sentimentos e suas emoções, capturados, devem estar a serviço da empresa. E por isso, devem trabalhar, não reclamar, não adoecer! A meta  é tudo. Se há uma meta a cumprir, e que nunca é fixa, sequer durante a jornada, não importa como o trabalhador ou a trabalhadora se sinta. Esse tipo de exigência, em que predomina a pressão constante e falta de respeito, encontramos em todos os espaços de trabalho - seja em uma indústria metalúrgica, no setor bancário ou  na Academia. Não importa se o que está  produzindo é refrigerante ou  sabonete ou artigos ou um projeto. A meta passa a ser tudo porque a produção e o lucro é o que mais importa. É uma lógica invertida, pois o/a trabalhador/a deixa de ser visto como um ser humano e passa  a ser tratado como uma coisa, uma extensão de uma máquina, um objeto que pode ser substituído a qualquer momento. São relações em que não há respeito ao outro.
 
Além desses componentes - da meta e da produção - há um forte estímulo à competitividade que culmina em estímulo ao individualismo, resultado de  uma acirrada e silenciosa luta entre os/as colegas, o que os/as levam  a não se reconhecer como pares. Nestas condições, predomina a  indiferença em relação ao sofrimento do outro. Temos vários fatores que facilitam esse clima organizacional de competitividade e degradação:  a intensificação da jornada de trabalho, a densificação do trabalho, as avaliações contantes, os baixos salários, a nova ideologia imposta do/a colaborador/a. Dessa forma, em qualquer categoria, o trabalho ficou com ritmo  mais intenso e mais denso, ou seja uma pessoa executa as suas tarefas quando estas deveriam  ser realizadas por mais duas ou três pessoas.

Não podemos nos esquecer de que no Brasil, as políticas  de  reestruturação vinheram sempre acompanhadas de programa de demissão voluntária e que nada mais são que uma forma de enxugar os gastos encolhendo  a máquina, retirar as gorduras e assim,  muitos/as trabalhadores/as são demitidos e, quem fica, acaba sendo sobrecarregado/a e adoece mais facilmente.
 
Ressalto que um/a professor/a também está submetido a essa lógica perversa da organização de trabalho. É só pensamos o que significa o produtivismo acadêmico: ministrar várias disciplinas - que antes caberiam a dois ou três - participar de congresso por conta própria, escrever vários artigos por ano e que seja publicado não só em revistas locais, mas internacionais. Organizar eventos, publicar artigos em livros,  dar classes, faltando material pedagógico necessário, orientar vários alunos/as entre tantas outras dimensões. Enfim, em qualquer categoria vamos encontrar a intensificação do ritmo e  densificação do trabalho. Esses dois elementos,  intensificação e densificação do trabalho  obriga o/a trabalhador/a  a fazer mais em menos tempo e esse tempo se prolonga invadindo e desorganizando o espaço familiar. Um novo elemento, é que mesmo acabando a jornada de trabalho e que deveria estar livre,  continua  ligado, de alguma forma, à empresa de diferentes formas; ou seja, por telefone, celular, blackberry,  e-mail e etc.
 
Como fica a questão da avaliação nesse aspecto?
 
Margarida Barreto -  Essa avaliação tem um grande componente que é a subjetividade. Ou seja, essa avaliação diz ao/à trabalhador/a sem falar: eu não quero mais você dentro da empresa ou da instituição. A avaliação é a arma final e possui um aspecto subjetivo muito grande que pode conter mensagens como “eu não gosto de você”; “eu não quero você mais naquele local”; então, o/a responsável pela avaliação, analisa  o/a trabalhador/a de uma forma negativa, subjetiva,  porque não simpatiza, porque quer se livrar daquele/a trabalhador/a ou simplemente como uma forma de desqualificá-lo profissionalmente e forçá-lo a pedir demissão. É uma questão muito dolorida para um/a trabalhador/a que sempre foi avaliado/a positivamente, tirou boas notas e a mudança de chefia ou um questionamento seu, passa a ser visto com uma ameaça ou insubordinação.
 
Todos esses fatores ocorrem em  administração autoritárias que se utiliza das  ameaças, impõem o medo,  como por exemplo: “se  você não quer trabalhar,  deixa o lugar para outros; olha, tem uma fila muito  grande aí fora. Outras vezes, o fio que estrangula e faz sofrer vem através de palavras na aparência "doces"  que parecem cuidar do outro: você é uma pessoa de valor, o mercado está aquecido porque você não procura  um emprego que te pague melhor do que aqui?”.

Há também  uma forma grosseira em que  se administra por injúria, xingando as pessoas, humilhando, desqualificando, constrangendo a portas fechadas ou publicamente,  que tem como objetivo,  mostrar   que o trabalho delas não presta, não tem valor, está mal feito.
 
São formas de administração muito correntes hoje e que a cultura organizacional sustenta essa prática através das fofocas, do disse-que-disse, das ironias, dos apelidos jocosos e tantos outros aspectos indesejáveis. Por exemplo, ao desqualificar  e humilhar um/a docente,  vão reafirmando seus  atos,  retirando alunos/as que o/a professor/a  dava orientação e, assim,  esvaziam esse espaço profissional, deixando-o sem sentido; retiram disciplinas  que antes o/a professor/as ministrava, sem qualquer discussão ou comunicação prévia; o docente passa a não ser chamado/a para reuniões que antes participava. Aos poucos, o/a professor/a vai sendo afastado/a de uma forma muito sutil, mas firme, daquelas atividades que ele/a fazia anteriormente.
 
A tentativa de compreender o que leva o/a trabalhador/a a se tornar vítima do assédio moral também leva à desestabiliazação emocional?

 
Margarida Barreto - Qualquer trabalhador/a, em qualquer instância que isso aconteça, começa a se interrogar: o que é que eu fiz; porque eu e não os/a outros/as e tenta compreender qual o motivo que está levando àquela mudança de comportamento dos/as seus/suas pares ou de seus/suas superiores hierárquicos. Isso leva a uma desestabilização emocional muito grande, pois vem acompanhado de um sentimento de vergonha e culpa e uma tentativa de compreender o que errou, já que sempre deu o melhor de si.
 
Na medida que ele/a se interroga, que não consegue compreender,  se culpa e entra em círculo vicioso de dor moral e sofrimento que lhe foi  imposto. Muitas vezes a pessoa é isolada e também passa a se isolar, pois procurar trabalhar mais intensamente para ser reconhecida e aquele comportamento em relação a ela, terminar. Todo esse processo leva a desestabilização emocional que pode culminar em   possíveis adoecimentos como  um transtorno somático, uma gastrite, uma hipertensão, dor de cabeça freqüente, insônia, pesadelos,  até outros transtornos psíquicos, como por exemplo, não parar de pensar naquele que a agrediu e humilhou.  É como se um  filme se repetisse constantemente na  cabeça daquele/a trabalhador/a e ele/a passa a ter receios de retornar à instituição na segunda-feira porque sabe que vai encontrar as mesmas pessoas que ele/a já não confia e não considera como pares.
 
Toda essa situação vai crescendo e não melhora,  podendo chegar à depressão, síndrome do pânico, a burnout - e o/a trabalhador/a  para suportar aquele sofrimento imposto e como uma forma de suportar o insuportável,  tem uma certa ironia com a situação e consigo mesmo/a, o que leva a certa despersonalização. É uma  forma de defesa, de encontrar forças para resistir  e agüentar aquilo que já não é suportável.

Repito: é  um sofrimento imposto – todos/as nós sofremos e o sofrimento faz parte de nossas vidas -  mas esse sofrimento que hoje advém do mundo do trabalho não pode ser visto como normal, pois não faz parte de nossa hamonia  intrapsiquica; ele é imposto por condições de trabalho, sendo de ordem ética-política, em que o/a outro/a é visto/a como “coisa” e como “coisa” e como tal é descartável. Quando o/a trabalhador/a se afasta por adoecimento e quando  ele/a retorna, a empresa não o quer e redobra, mais uma vez, o processo de humilhações no trabalho, isolando-o do coletivo.
 
Como se faz nesse retorno ao trabalho? Normalmente coloca esse/a trabalhador/a, esse/a professor/a em uma sala isolada, sem material, sem funções para fazer, esvazia aquilo que ele sabe fazer; não lhe dá trabalho, não lhe dá tarefas o que contribui de forma intensa para desestabilizar e desequilibrar   a vida dessa pessoa. São nesses momentos que as pessoas podem ter   ideação suicida que frequentemente, as levam ao  suicídio.  Nesta situação, estamos diante de um assassinato e não de uma morte voluntária.
 
Nesse descarte, entra também a discriminação por idade? O fato de o/a trabalhador/a ser demitido/a quando chega aos 70 anos?

 
Margarida Barreto - Sim. Como disse anteriormente, o  assédio moral tem dois pilares fundamentais: é a discriminação e a humilhação. Quando eu humilho alguém,  estou dizendo claramente, mas sem palavras, que aquele/a outro/a está em  lugar inferior ao meu. Discriminar é fazer uma distinção que tanto pode ser pela  desqualificação, desmoralizacao, isolamento e humilhação; se discrimina por idade, por cor da pele, por estar doente ou não, por orientação sexual, por opção  política, por ser dirigente sindical e tantas outras dimensões. As situações são as mais diversas.
 
Num mundo do trabalho contemporâneo,  as pessoas são consideradas ativas e produtivas somente até os 45 anos. Assim, fica muito difícil se pensar num mundo do trabalho decente ou sequer ético. Até mesmo porque não dá para se falar em ética quando o que predomina é a  violência. E só olharmos as estatísticas de doenças, acidentes e mortes em consequência do trabalho. É um mundo do trabalho que não respeita o/a outro/a como ser humano. O/a trabalhador/a tem valor enquanto dá o sangue, sua a camisa, não adoece, não tem família. Assim, as relações são desumanas, sem ética, sem respeito, sem reconhecimento. Mata-se um ou fere-se outro e o responsável tem um sentimento de que nada lhe acontecerá.  E quando os atos de violência ocorrem, a empresa ou qualquer que seja a instituição, também é responsável, foi solidária com a violência, e na medida em que a atitude da empresa foi de cumplicidade, ou seja, nada fez para acabar com a prática ou comportamento, ela é responsável também. Em função do desrespeito cotidiano  que se verifica no dia a dia da empresa, da escola, da instituição, enfim, em  qualquer que seja o espaço, estamos longe daquilo que a Organização Internacional do Trabalho chama de trabalho decente e responsabilidade social.
 
Qual é a mensagem que a senhora deixa os/as professores/as que estejam se sentindo nessa situação de assédio moral?
 
Margarida Barreto - Eu diria aos/às professores/as que denunciem, deem visibilidade social, lutem e resistam. A academia deve quebrar o silêncio. Só assim poderemos combater o assédio moral e todas as formas de violência no trabalho.

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Fonte: Carolina Skorupski, Assessoria de Comunicação da Apuc

 


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