Associação de Professores
da PUC Goiás
apuc 40 anos 3

Em solidariedade ao professor Aristides Moysés e sua família, a Apuc publica este manifesto e conclama a todos/as a participarem da luta por relações na sociedade de respeito, cidadania e  valorização da dignidade da pessoa humana

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*Professor Aristides Moysés

No dia  28 de outubro deste ano, por  volta  das  11h15,  em frente  ao  edifício  onde eu, professor Aristides Moysés  e minha esposa, a professora Marise,  estamos  morando,  aconteceu  um  fato  que  tem  sido corriqueiro em Goiânia e na sua Região  Metropolitana.  Sempre se tem notícias  das arbitrariedades  cometidas  pela  Polícia  Militar  e  nem sempre nos importamos com o  fato, porque isto costuma ocorrer longe de nossas  casas. Mas chega um dia em que o fato  ocorre no âmbito de nossa  família.

 

 

 Desta  vez,  nós  fomos  a  “bola  da  vez”,  e  como  não concordamos  com  a  postura  de  arrogância,  de  prepotência  e  de intimidação  adotada  por  alguns  (talvez  a  maioria  desta  corporação) membros  da  Polícia  Militar,  decidimos  fazer  essa  manifestação  e torná-la pública.

O  nosso  filho  Rafael,  dependente  químico  em recuperação,  como  todos  sabem,  juntamente  com  sua companheira, Daniela, veio  até  a nossa casa para  pegar  o dinheiro  com o qual iria  pagar a consulta que teria  com o Dr.  Wesley,  no  Centro  Clínico  São  Francisco  de  Assis que  fica  na saída  para  São  Paulo,  em  Aparecida  de Goiânia

Chegando ao prédio, por  estar  em cima  da hora marcada,  o  porteiro  nos  avisou  e,  de  imediato,  nossa colaboradora  nos  serviços  domésticos, conosco  há  mais de  30  anos,  desceu  e  levou  o  cheque  para  eles.  Quando ela  chegou  no  portão,  havia  uma  cena  deprimente:  não sei exatamente  quantos,  mas  uns  5  (cinco)  motoqueiros da  GIRO  estavam  na  porta  do  prédio  e  um  deles,  que  se diz  formado  em  dois  cursos superiores  e  com  pós-graduação,  agredia  o  Rafael  com  soco  no  estômago  sem qualquer  motivo,  já  que  eles  não  tinham  nada  que o desabonasse, a não ser a sua aparência.

Devemos dizer que, mesmo com a autoestima baixa e revoltado pela forma como foi maltratado, o Rafael, acompanhado pela Daniela, foram se encontrar com o Dr. Wesley. Temos que reconhecer que ele está em busca de sua recuperação, e só Deus sabe o quanto  essa luta é penosa para ele e para a sua família.

  

Ela  entrou  em  contato  comigo,  que  estava  em  casa  trabalhando,  e desci  imediatamente  para  tomar  pé  da  situação.  Desci  de bermuda, chinela havaiana e  me deparei com uma verdadeira operação de guerra na  frente  do  prédio.  O  Rafael,  agredido,  magro,  pálido  pelo uso  de  substâncias químicas, estava cercado pelos policias que o humilhavam a cada  informação  que  vinha  de  uma  central,  dando  conta  de suas passagens  pela  polícia.  Tentei  argumentar  dizendo  que  aquela  ficha não  correspondia  à  verdade  do  momento  atual,  pois  há  mais  de dois anos  ele  está  fora  da  criminalidade,  mesmo  que  ainda  não  tenha conseguido se livrar completamente do uso de drogas.

 

Vendo  o  Rafael  naquelas  condições,  tive  a  certeza  de que  se  ele  estivesse  bem  vestido,  fosse  mais  clarinho, um  pouco  mais  gordo,  com certeza  ele  não  teria  sido objeto  do  “trabalho  de  rotina”  daqueles  policiais,  ou seja,  das  agressões  físicas  e  verbais  que  a  ele foram dirigidas.  Naquele  momento,  percebi  que  a  Polícia Militar,  sobretudo  os  comandos  mais  agressivos  e prepotentes,  como  a  ROTAM  e  a GIRO,  são  treinados para “parar”, ou até matar,  qualquer suspeito, e suspeito para  eles  são  os  pretos,  os  pobres,  os  mal  vestidos,  os sujos. Esta  é  a  polícia  anti-cidadã  que  o  Governo  do Estado  coloca  nas  ruas  para  “proteger”  esses  cidadãos mal apresentáveis.

Na minha frente eles continuaram hostilizando o Rafael, dizendo  que  “só  de  olhar”  sabia-se  que  ele  era  bandido, e que isto fora confirmado pela  sua ficha. Uma  ressalva, o  que  se  dizia  comandante  era  mais  comedido,  mais educado.

Bom,  o  cenário  de guerra  criado  por  estes policiais  não  ficou  restrito ao  nosso  filho,  porque  eu  e  a  nossa  secretária  também  fomos desrespeitados,  humilhados.  Talvez  porque  a  nossa  aparência oferecesse  a  eles  os  elementos  de  que  precisavam  para  executar sua missão conforme  recomenda  o  manual  que  orienta  suas  operações.

Digo manual, porque  esses  policiais  passam  por  uma  escola,  ou melhor, escola  não,  o  conceito  e  o  sentido  de  escola  não  aplicam  aos treinamentos que recebem para “proteger” a sociedade.

A  pobre  da  nossa  secretária  foi  advertida  para  calar  a boca  e  que  não se  metesse  no  trabalho da polícia. Ficou quieta  por  fora.  Quando  eu questionei  a  forma  como eles  “entendem”  e  tratam  o  dependente  químico  e,  para isso,  recorri a  minha experiência  de muitos  anos  na  lida

com  dependentes  químicos,  à  minha  formação  humana, científica,  e  a  que  adquiri  ao  longo  de  meus  62  anos  de vida,  o  mesmo policial  que  colhia informações  na  central de  operações,  com  formação  superior  e  que  agrediu fisicamente  o  meu  filho,  verbalizou  uma  frase  muito

“Cego  é  aquele  que  não  quer  ver,  não  quer conhecida: enxergar”.  Senti-me  agredido  e  reagi  dizendo  que  a minha  formação  e  o  meu  envolvimento  com  os dependentes químicos  me  davam suporte para discordar da  forma  como  os  policiais  tratam  os  dependentes químicos  em  particular  e  os  pobres,  pretos  e  mal vestidos  em  geral.  Esse  policial  denigre  as  escolas  por ele freqüentadas.

Caros  amigos  de  luta  por  uma  sociedade  mais  justa,  esse  manifesto pretende  registrar  este  fato  não  na  perspectiva  de  que  os  maus  edespreparados  policiais  sejam  punidos.  Acho  que  não  se  aplicam punições a eles, porque  no fundo são meros executores de orientações que vêm  de  cima  para  baixo.  Afinal,  os  socos  foram  dados  “na  medida certa”. Basta lembrarmos dos resultados apurados pela Polícia Federal em  Goiás,  sobre  a  operação  “Sexto  Mandamento”  em  fevereiro  deste ano.  Lembram-se?  Apesar  das  provas  incontestes,  vários  policiais superiores já foram soltos.  Além do mais, eles sabem como  não deixar provas.  Essa  denúncia  tem  o  propósito  de,  primeiramente,  dar  uma satisfação a nós mesmos.

Eu  e  a  Marise  jamais  poderíamos  ficar  calados  diante deste  fato  que  hoje  ocorreu  com  nosso  filho,  mas  que  já aconteceu  com  filhos  de inúmeros  outros  pais  e  mães que  se  sentem  impotentes  para  levar  adiante  seu inconformismo,  e  que  infelizmente  ainda  vai  continuar  acontecendo.  Todas  as  famílias  que  convivem  de  perto com  a  dependência  química,  lícita  ou  ilícita  estão sujeitas  a  passarem  por  este  tipo  de  constrangimentos.

Só  vamos  ter  uma  polícia  democrática,  cidadã,  num horizonte muito longo, porque os passos que a  sociedade dá  em  busca  de  seus  direitos  de  viver  numa  sociedade onde  a  polícia  seja  de  fato  protetora  de  direitos  e  de deveres  de  todos  os  cidadãos,  independentemente  de sua  posição  social,  cor,  etnia,  gênero,  ainda  são  muitos tímidos porque a própria polícia ainda nos intimida.

 

Em algum momento temos que romper com essa inércia.

 

Goiânia, 28 de outubro de 2011.

 

Grato a todos que repercutirem esta manifestação de amor.

 

Prof. Aristides Moysés – PUC GOIÁS

Marise F. Leite Moysés – Professora Aposentada


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