Enquanto Docentes e estudantes têm contato cada vez mais intensivo com plataformas e aplicativos baseados em inteligência artificial, um grupo de especialistas em tecnologia educacional faz um chamado para “freio de arrumação”. Essa é a postura do relatório HP Futures 2025, projeto liderado por Global Learning Council, T4 Education e HP, que reúne as contribuições de 100 especialistas globais em educação.
O relatório propõe uma série de recomendações para que este tipo de tecnologia adentre de forma segura em salas de aula, respeitando parâmetros éticos e pedagógicos. A proposta surgiu após três reuniões do conselho do projeto ao longo de 2025, compostos por professores e docentes, líderes de políticas públicas, acadêmicos, líderes de ONGs (organizações não governamentais) e empreendedores(as) de tecnologia educacional.
Os(as) integrantes do conselho representaram uma distribuição equitativa de geografias, formações e gêneros. Ao longo de muitas sessões aprofundadas de mesa-redonda e deliberações individuais, cada conselho realizou discussões com o objetivo de gerar um relatório contendo recomendações práticas para formuladores de políticas, líderes do setor e educadores que buscam implementar a IA em diversos ambientes educacionais.
Esses dados qualitativos foram complementados pelas respostas de 2.860 estudantes de 21 países a uma pesquisa sobre como eles usam a IA e suas atitudes em relação a ela. A pesquisa revelou que mais de 60% utilizam IA diariamente para realizar pesquisas escolares, enquanto 71% defendem a imposição de limites para as capacidades da IA na educação.
O estudo será apresentado a ministros da educação durante o World Schools Summit, da T4 Education, em Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos). O Porvir é parceiro de mídia do evento, que contará com a mediação do painel “Impulsionando o alto desempenho nas escolas: aprendizados com os vencedores do Prêmio Melhores Escolas do Mundo”, com a participação de Gemma Thornley (The Arbor School – Emirados Árabes Unidos), William Campbell (Franklin School – Estados Unidos) e Gajendra Singh Rathore (Sandipani Ratlam School – Índia).
A principal orientação do HP Futures 2025 é que os formuladores de políticas públicas desenvolvam ambientes de aprendizagem impulsionados por IA que sejam responsáveis e equitativos, com o objetivo de preparar os estudantes de forma eficaz para o futuro do trabalho. Mayank Dhingra, diretor e líder global de negócios e estratégia de educação na HP, além de coordenador do projeto HP Futures, afirma que o relatório mostra a receptividade dos educadores no Brasil à IA e destaca uma oportunidade para aumentar a proficiência tecnológica no setor.
“Ana Ligia Scachetti, membro do Conselho HP Futures e presidente da Nova Escola, compartilhou que sua organização tem realizado pesquisas com mais de 1,7 milhão de professores no Brasil. Uma pesquisa recente revelou que, embora 60% vejam a IA como uma oportunidade, 56% nunca a utilizaram”, disse Mayank, que também reforça que professores consideram a transparência, a autonomia e a cocriação como muito importantes para garantir que a IA seja vista “como uma ferramenta, e não como uma ameaça”.
Voz do estudante para a incorporação da IA
Os(as) especialistas ouvidos pelo projeto apontam um alerta crucial: o risco de a implementação das tecnologias ocorrer de maneira verticalizada, sem a devida consulta aos principais envolvidos no processo, ou seja, alunos e professores.
O maior perigo, conforme o relatório, é a adoção da inteligência artificial “de cima para baixo”, quando secretarias de educação ou ministérios escolhem ferramentas sem consultar aqueles que realmente irão utilizá-las. Muitos educadores já estão familiarizados com essa dinâmica: o feedback solicitado muitas vezes se transforma em uma “mera formalidade”, um formulário preenchido que não resulta em mudanças concretas. O estudo também critica as dificuldades de conectividade, que tornam as escolas, especialmente as rurais, ainda mais isoladas, excluindo-as das discussões essenciais.
Para garantir que a IA auxilie os(as) Professores(as) e não o contrário, Mayank sugere que “bots de SMS ou WhatsApp poderiam ser utilizados em áreas com baixa conectividade”. Ele também propõe que conselhos de educadores e gabinetes estudantis se reúnam trimestralmente, com a condição de que essas reuniões publiquem atas e planos de ação, assegurando que a gestão se comprometa publicamente com as mudanças e possibilite a cobrança da sociedade.
Em níveis decisórios mais elevados, as secretarias de educação devem monitorar de perto métricas essenciais, como a “carga de trabalho do(a) Professor(a), seu bem-estar” e, claro, os resultados de aprendizagem. Caso uma nova ferramenta de IA sobrecarregue os docentes, ajustes devem ser feitos imediatamente, e não apenas no ano seguinte, disse Mayank.
IA na educação envolve múltiplos riscos e desafios
O estudo apresenta um quadro interessante de riscos e desafios que todos os envolvidos em educação precisam estar atentos, não apenas durante a fase de implementação, mas também de uso e monitoramento desse tipo de tecnologia. Existe, por exemplo, o risco de os estudantes deixarem de exercer habilidades cognitivas essenciais para o aprendizado profundo.
Recomendações para adoção de IA na Educação
A adoção da IA na educação é um processo que envolve vários aspectos importantes. Este documento traz recomendações para que gestores educacionais garantam que a tecnologia apoie, e não substitua, o trabalho dos professores. A principal ideia é fortalecer a qualificação dos educadores na era digital e promover o uso da IA de forma justa e eficaz nas escolas. Abaixo, apresentamos um resumo das principais orientações para isso:
Adoção e Acesso
Garantir o acesso justo à IA: é urgente criar estratégias para que a adoção da IA seja inclusiva. Precisamos evitar que esta nova era tecnológica aumente as desigualdades educacionais. Deve-se garantir um acesso básico e igualitário aos principais serviços de IA baseados em sistemas chamados de Modelos de Linguagem de Grande Escala, como o ChatGPT, para todas as escolas.
IA como ajuda, não substituição: as políticas devem garantir que a IA sirva fundamentalmente para aprimorar o trabalho dos(as) Professores(as), e não para substituí-los.
Ouvir os(as) Educadores(as) e definir objetivos: é fundamental criar regras que assegurem que os professores sejam consultados no desenvolvimento de qualquer ferramenta de IA que será amplamente usada nas escolas. Além disso, as tecnologias implementadas devem ter objetivos reducacionais claros.
Incluir os(as) estudantes na governança: os alunos devem ter uma participação formal na formulação de políticas e regras sobre IA. O ponto de vista dos jovens é essencial para garantir uma adoção da IA que seja útil e realista no futuro.
Currículo, avaliação e habilidades
Revisão curricular focada em habilidades para a vida: os currículos tradicionais precisam ser reformados para priorizar o desenvolvimento de habilidades contínuas (aprendizagem ao longo da vida), o pensamento analítico, a criatividade e as competências humanas, em vez de se focar apenas em conteúdos específicos para cada idade. O relatório sugere dar mais ênfase à filosofia, ética, história e solução de problemas interdisciplinares em toda a educação básica e superior, além, é claro, da programação e outros elementos tecnológicos.
Manter o esforço e a reflexão no aprendizado: é decisivo que o sistema de ensino mantenha um certo nível de “desafio” ou “dificuldade” intencional para proteger a aprendizagem dos alunos e sua capacidade de se preparar para o mercado de trabalho. Os estudantes devem ser ensinados a pensar criticamente e a interagir com a IA de forma consciente, em vez de depender dela para fazer o trabalho mental. Os educadores devem propor desafios que estimulem a reflexão, impedindo a aceitação passiva e a automação excessiva.
Avaliações com foco humano: as avaliações devem ser reformuladas para priorizar mais a oralidade e a apresentação pública (como as “vivas” ou entrevistas), realizadas na sala de aula. É preciso considerar o uso da IA fora do ambiente escolar e no mercado de trabalho. Isso é vital, pois a interação humana face a face não pode ser copiada pela IA e provavelmente será um diferencial valorizado pelos empregadores.
Políticas e Desenvolvimento Profissional
Pesquisas nacionais sobre preparação para a IA: antes de detalhar políticas ou compras de tecnologia de IA na Educação, os países devem realizar urgentemente pesquisas nacionais para avaliar o “nível de preparação” básica. Cada ministério precisa auditar a confiança dos líderes, a infraestrutura, a segurança e as diferentes desigualdades para definir as prioridades de implementação.
Políticas flexíveis e atualização anual: é importante que as políticas educacionais sejam “vivas” e capazes de reagir rapidamente, com ciclos obrigatórios de revisão anual. Isso garantirá que os sistemas de ensino público e suas regras acompanhem o ritmo da IA. As constantes atualizações dos Modelos de Linguagem de Grande Escala exigem revisões frequentes e colaboração global para que as políticas permaneçam relevantes e prontas para cenários de IA em constante mudança.
Imersão rápida em letramento digital e IA para gestores: é urgente garantir que todos os responsáveis por definir políticas de IA, incluindo líderes escolares e universitários(as), passem por um treinamento rápido em “Alfabetização em IA” que seja continuamente revisado. Os líderes precisam saber o que estão implementando e como usar a tecnologia, ou uma geração inteira pode perder as vastas oportunidades de transformação que a tecnologia oferece, ou sofrer as consequências de uma má implementação.
Capacitação e desenvolvimento profissional para todos os educadores: devem ser oferecidos serviços de aprimoramento de habilidades em IA e desenvolvimento profissional para todos os educadores, da educação básica ao ensino superior. A IA exige uma redefinição do papel do professor, que passa de um mero transmissor de conteúdo para um facilitador e construtor de habilidades.
Boas práticas em IA na educação
Como é comum neste tipo de estudo, também foram destacados seis casos de boas práticas. Um deles é da Bioma Educação, marca de educação básica no Brasil. Conheça:
ZEN University (Japão, ensino superior): a ZEN University, uma instituição de ensino superior totalmente on line, lidera a experimentação com IA, oferecendo um currículo que integra a inteligência artificial tanto como ferramenta quanto como objeto de estudo. Com um enfoque interdisciplinar, a universidade prepara seus estudantes para entender a IA em suas diversas aplicações, incluindo ética e teoria de Grandes Modelos de Linguagem. O programa enfatiza a colaboração humano-máquina e a capacidade crítica para analisar e aplicar as tecnologias de IA, promovendo uma abordagem holística ao aprendizado.
Governo Metropolitano de Tóquio (Japão, educação básica): o Governo Metropolitano de Tóquio implementou uma plataforma de IA gratuita em todas as escolas de sua rede, criando um ambiente seguro para que professores e alunos experimentem e integrem tecnologias de IA nas práticas pedagógicas. As diretrizes e a plataforma facilitam a adoção de ferramentas de IA de maneira controlada, incentivando o uso crítico e responsável da tecnologia nas escolas, alinhando a educação à visão nacional para o futuro digital.
Forward College (França, ensino superior): o Forward College adota a transparência na utilização de IA por meio da prática de “logs de prompt”, onde alunos compartilham seus registros de interação com ferramentas de IA como o GPT. Esta prática visa fomentar a metacognição e proporcionar um feedback direcionado dos educadores, que analisam os hábitos dos alunos, como a adaptação e revisão de suas interações com a IA. A avaliação também inclui testes assistidos e não assistidos pela IA, promovendo uma reflexão crítica sobre o uso da tecnologia no aprendizado.
Bioma Educação (Brasil, educação básica): o projeto da Bioma Educação utiliza portfólios reflexivos para incentivar os alunos a monitorarem seu progresso ao longo do tempo, com o apoio da IA. Em um processo metacognitivo, os alunos analisam e comparam suas produções com feedback gerado pela IA, criando uma relação crítica e responsável com a tecnologia. Este modelo busca promover a autoavaliação contínua e prepara os alunos para usar a IA de maneira reflexiva e construtiva em seu desenvolvimento educacional.
Fundación Luker (Colômbia, educação básica): a Fundación Luker implementou o programa ATAL para aprimorar a alfabetização através de agentes de IA, que medem a fluência de leitura e oferecem feedback personalizado. O uso do “lectômetro”, alimentado por IA, acelera o diagnóstico das dificuldades de leitura, reduzindo o tempo de intervenção em 40%, enquanto aumenta o tempo de leitura independente dos alunos. A plataforma também envolve pais e educadores por meio de feedback via WhatsApp, promovendo um ambiente de aprendizado mais inclusivo e engajado.
ISIS (Itália, ensino superior): a ISIS Europa integrou a IA em todo o currículo escolar, criando uma rubrica de avaliação para o uso ético e crítico da tecnologia em todas as disciplinas. A iniciativa exige que os alunos documentem suas interações com IA, promovendo a rastreabilidade e a reflexão ética sobre os processos de aprendizado. A abordagem baseia-se em três pilares: uso ético e transparente da IA, avaliação crítica dos resultados e uso criativo para geração de hipóteses, incentivando os alunos a não apenas usar a tecnologia, mas a refletir sobre seu impacto e suas limitações.
Franklin School (Estados Unidos, educação básica): A Franklin School desenvolveu a ferramenta FAIR (sigla para Franklin A.I. Reporting), que integra feedback automatizado e mentoria acadêmico, combinando IA e suporte emocional. A ferramenta gera relatórios de desempenho em tempo real e ajuda alunos e pais a entenderem o progresso acadêmico. Durante as sessões de acompanhamento, o FAIR facilita a compreensão e a aplicação de feedback, apoiando o desenvolvimento emocional e estratégico dos alunos para melhorar seu aprendizado.
Fonte: Povir Inovações em Educação
