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27.10.2022 POST bancada do CocarNas eleições do dia 02/10, cinco candidatos/as autodeclarados/as indígenas foram eleitos/as deputados/as federais e dois senadores/as, o maior número na história do País. As vitórias mais comemoradas foram as das proeminentes ativistas indígenas Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, eleitas deputadas federais.

Especialistas, ativistas e celebridades aplaudiram a Bancada do Cocar para deter a escalada da agenda anti-indígena e antiambiental no poder legislativo desde que o presidente Jair Bolsonaro tomou posse em janeiro de 2019.

O sucesso da bancada indígena e de outras bancadas de esquerda dependerá do resultado do segundo turno da eleição presidencial no dia 30, tendo em vista a eleição de um Congresso mais conservador, com mais cadeiras de apoiadores do Bolsonaro e da Bancada Ruralista na Câmara e no Senado, dizem os especialistas.

A reportagem é de Karla Mendes, publicada por Mongabay.

No aniversário de 200 anos da independência do Brasil, os povos indígenas alcançaram um marco histórico: o maior número de candidatos autodeclarados indígenas eleitos para o Congresso Nacional na história do país, um movimento-chave para o futuro de seus direitos, atacados desde o período da colonização, segundo pesquisadores.

Nas eleições do dia 2, cinco candidatos que se autodeclararam indígenas foram eleitos deputados federais e dois senadores. Embora nem todos estejam alinhados com a causa indígena, lutando por seus direitos ancestrais e protegendo o meio ambiente, especialistas e ativistas celebraram o ato como uma resistência crescente — e necessária — para deter a escalada da agenda anti-indígena e antiambiental no poder legislativo desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu o poder em janeiro de 2019.

“Essa mobilização dos povos indígenas, ela nos enche de alegria, nos enche de esperança. E mostra pra gente que nós temos que ir pra luta”, afirma a historiadora Ana Paula da Silva, doutora em memória social e pesquisadora do Programa de Estudos dos Povos Indígenas (Pro Índio) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em entrevista à Mongabay por telefone.

As vitórias mais celebradas foram a eleição das renomadas ativistas Sônia Guajajara e Célia Xakriabá como deputadas federais para a Bancada do Cocar, através da primeira Campanha Indígena da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a principal associação indígena do país, com o objetivo de “aldear a política”.

“As mulheres sempre foram protagonistas, mas nos trabalhos, nos estudos sobre os povos indígenas, sempre se destacaram os homens. Mas você vê que a força das mulheres é muito grande”, diz Silva, destacando a visibilidade dos movimentos indígenas e o protagonismo da mulher indígena, especialmente desde 2019.

Um ingrediente chave para o sucesso dos candidatos indígenas eleitos foram suas alianças com outros movimentos sociais focados na identidade, orientação social ou na luta pelo direito à terra, incluindo os quilombolas, os sem-terra e os movimentos negros e LGBT, diz o sociólogo José Carlos Matos Pereira, pesquisador do Programa de Memória dos Movimentos Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ele cita o caso de Célia Xakriabá, eleita com votos equivalentes a cinco vezes a população indígena de Minas Gerais, o que significa que ela estabeleceu alianças. “Eu estava olhando a pauta dela. Ela fala em demarcação de terras indígenas, mas ela fala também da titulação de terras quilombolas. E ela faz referência a mil comunidades quilombolas em Minas Gerais”, disse Pereira à Mongabay por telefone, acrescentando que também há indicação de diálogos com sindicatos e representantes da reforma agrária.

O aumento da visibilidade dos povos indígenas nas cidades, incluindo protestos, debates públicos e mídias sociais, assim como a inclusão de reivindicações de reforma urbana, também são destaques do ponto de vista de Pereira. “Tem que pensar a importância estratégica do papel da cidade no processo eleitoral. Mesmo os candidatos rurais, os candidatos indígenas, qualquer outro tipo de categorização. Ele tem papel importante porque é nas cidades que se dão as principais decisões. E é onde está a maior parte do eleitorado”, diz ele. “Então, esses movimentos são lutas que podem vir legitimamente da área rural ou da terra indígena. Mas ele está em diálogo permanente com a cidade”.

Segundo o sociólogo, promover uma gestão democrática e participativa da cidade é uma abordagem chave, além da inclusão no processo de tomada de decisões para o uso de recursos públicos que tendem a excluir os povos indígenas. “Porque o que está em jogo é a legislação. E do ponto de vista do dinheiro, onde se vai aplicar o recurso público? Se vai pra universidade, se vai pro agronegócio, se vai pra uma série de outras atividades que não dizem respeito aos interesses, especialmente dos indígenas”, diz ele. “Se você pensar do ponto de vista da peça orçamentária, os indígenas não estão no PPA, que é o Plano Plurianual Federal, muitas vezes estadual, muitas vezes municipal. Não estão na Lei de Diretrizes Orçamentárias. E não estão na LOA, que é a aplicação prática, a lei do orçamento anual”.

Em 13 de outubro, a APIB publicou uma carta apoiando a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, que se comprometeu a criar um Ministério Indígena.

Eleição histórica

Com 156.963 votos, Sônia Guajajara foi eleita deputada federal pelo estado de São Paulo. “Vamos entrar pela porta da frente no Congresso Nacional! Muito obrigada, SP. Fizemos história! Brasília, estamos chegando pra aldear a política!”, ela publicou no Twitter logo após os resultados.

Nas eleições de 2018, Sônia Guajajara entrou para a história da política brasileira como a primeira mulher indígena a concorrer à vice-presidência. Nascida na Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, uma das mais ameaçadas do país, ela tem mestrado em cultura e sociedade e pós-graduação em educação especial e coordena a APIB. Ela recebeu vários prêmios, incluindo o Prêmio Fred Packard pela União Internacional para a Conservação da Natureza e a Comissão Mundial sobre Áreas Protegidas em 2019. No início deste ano, ela foi citada pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo.

Com 101.154 votos, Célia Xakriabá foi eleita para representar Minas Gerais na Câmara dos Deputados. Nascida no município de São João das Missões, é doutora e mestre em Antropologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) — foi a primeira indígena a obter o título de doutorado na UFMG. Representou os povos indígenas na COP26 e participou ativamente da denúncia contra Bolsonaro por crimes contra a humanidade e genocídio no Tribunal de Haia.

“Nossa vitória não é apenas pelos povos indígenas, é pela mãe terra, educação e cultura. Vamos chegar com a força do nosso cocar, fazendo ecoar nossas vozes e maracás!”, Célia Xakriabá escreveu no Twitter logo após sua eleição.


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