Associação de Professores
da PUC Goiás
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09.09.2021 POST ManifestoBrasil, 07 de setembro de 2021

Nós, educadores(as) envolvidos(as) em projetos e ações para uma educação democrática e humanizadora, expressamos aqui nossas preocupações em relação ao trabalho dos educadores em face do que vem acontecendo, neste momento, em nosso país, na política, na economia, no ambiente, no tratamento aos povos indígenas, na saúde e, principalmente, na educação.

A educação é um processo complexo que se realiza pelo que as gerações herdam e pelo que constroem. Cada geração recebe o que foi realizado, construído, sofrido, festejado, esperado, pensado e expresso pelas gerações anteriores, numa incessante aventura humana de reprodução e transformação. É assim que vão se constituindo os saberes, a arte, a literatura, a ciência, a filosofia, a tecnologia, conquistas que irrigam e alimentam a vida humana. Pela educação, cada sujeito humano se estrutura e constrói a si mesmo, amparado na sua família, nos seus grupos sociais e nas suas culturas. A educação é, também, o processo pelo qual o sujeito humano aprende a amar a si mesmo e aos outros, a respeitar as diferenças individuais, sociais e culturais, a recusar os preconceitos e as discriminações, e a reconhecer a dignidade de todo ser humano. A educação emancipa e  humaniza, sem ela propagam-se o ódio e o ressentimento, abrindo- se as fendas da barbárie. Reivindica-se, assim, o direito antropológico à educação exigindo-se do Estado a garantia a todos do acesso significativo, criativo e crítico ao conhecimento que possibilita a participação consciente na vida social, fundamento da democracia. Esse direito somente pode ser promovido quando existe uma escola que reconhece o valor da ciência, que respeita a dignidade de cada criança, adolescente e adulto, e que ajuda cada um a crescer e a se desenvolver.

Em nome desses princípios e valores que compartilhamos em relação à vida e à educação, queremos expressar neste Manifesto nosso profundo desacordo com o que vem acontecendo em nosso país no campo político, econômico, cultural, sanitário e educacional e, ao mesmo tempo, chamar a atenção dos educadores brasileiros sobre os retrocessos atuais, principalmente nas áreas da educação e da escola. O momento requer nosso posicionamento crítico face aos retrocessos que vimos presenciando em relação ao desmonte de históricas conquistas alcançadas pelas políticas públicas e pelas lutas dos/as educadores/as em prol de uma educação pública emancipatória, democrática, e sintonizada com os anseios da maioria da população. Entendemos como retrocessos da educação brasileira nos últimos cinco anos:
 
- Os grandes cortes orçamentários e a exiguidade de recursos para a educação que situam o Orçamento Público muito abaixo do que deveria ser em face das carências históricas da educação brasileira, em particular nestes momentos de crise sanitária, econômica e social.

- A participação de grupos empresariais/fundacionais na definição de políticas públicas em que a educação é alinhada a interesses privados e tratada como mercadoria, esvaziando sua função na esfera pública.

- A orientação do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD 2022) para a Educação Infantil de atribuir a esse nível escolar características de escolarização precoce e com função preparatória ao Ensino Fundamental, muitas vezes marcada pela fragmentação de saberes, metodologia passiva e avaliação classificatória e excludente.

- As orientações neotecnicistas e pragmáticas para a formação de professores expressas na Resolução CNE/CP n. 2, de 20/12/2019 que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC- Formação), as quais retiram a capacidade reflexiva e emancipatória da atividade docente.

- A reforma do Ensino Médio que, ao prever a flexibilização curricular e a escolha de itinerários formativos pelos estudantes em escolas sem meios e recursos para isso, desconsidera as necessidades formativas desta faixa etária
e promove o aligeiramento do ensino para a maioria da população adolescente e jovem do país, em um contexto de desemprego e trabalho precário. Desse modo, mais uma vez se postergam, na prática, para o conjunto da população, o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho; previsto no artigo 205 da Constituição Federal de 1988.

- O debilitamento das Universidades e Institutos federais, que os empurra à falência, enquanto se alastram cada vez mais as redes de estabelecimentos privados.

- As frequentes tentativas de interromper os programas de ações afirmativas, de inclusão, de assistência e de permanência estudantil. Tais iniciativas podem ser constatadas em projetos de lei que anseiam pelo fim da Lei 12.711/2012, conhecida como Lei das Cotas no Ensino Superior, bem como promover alterações no Decreto 7234, que instituiu o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). Cabe observar alguns exemplos: o PL 1531/2019, que propõe acabar com a Lei das Cotas, o Ofício circular 16/2019/MEC/SESU que interfere na autonomia das instituições de ensino superior na administração dos recursos destinados ao PNAES, e a Emenda Constitucional 95 que impõe limitações orçamentárias ao PNAES e a outros programas de ações afirmativas.

- A nomeação autoritária de reitores de Universidades Federais, contrariando a tradição democrática de o Presidente da República nomear o primeiro nome da lista tríplice decorrente de consulta interna democrática com a comunidade acadêmica.

- O apoio do governo e de políticos às pautas defendidas pelo movimento ideológico Escola sem Partido, que instaura nas escolas a censura ao trabalho dos/as professores/as e abre espaço à perseguição política, coibindo o desenvolvimento do pensamento crítico.

- A tentativa de introduzir como dispositivo legal a educação domiciliar, conhecida como “homeschooling” que, alegando um suposto direito da família em educar seus filhos conforme suas convicções, quer impedir as crianças e jovens da experiência de socialização na escola privando-as da convivência com diferentes culturas e crenças e de vivências de respeito à diversidade, propiciando, também, o crescimento do fundamentalismo religioso e dos preconceitos.

- A criação de escolas cívico-militares na própria estrutura da educação pública, pautadas em projetos pedagógicos autoritários valendo-se de mecanismos de intimidação e violência contra os estudantes que, no mínimo, contraria a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394, de 20/12/1996 que estabelece, no artigo 3º, os princípios de liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o
saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; respeito à liberdade e apreço à tolerância.

- A recusa do governo em financiar o acesso gratuito à Internet por estudantes em situação de vulnerabilidade social, fato que evidenciou ainda mais as desigualdades em nosso país, assim como o não fornecimento de subsídios federais para outras melhorias da infraestrutura das escolas no retorno às aulas presenciais.

- O negacionismo e o desprezo pela vida humana difundidos sob formas estarrecedoras tais como a recusa em admitir a gravidade do COVID 19, a insistente imposição de medicamentos ineficazes apesar de conclusões em contrário das pesquisas e da OMS, a disseminação irresponsável de dúvidas sobre a eficácia das vacinas, as tentativas de desvalorização da ciência em nome de ideologias sem qualquer legitimidade no campo da saúde.

- A ausência de uma política pública para contemplar a adolescência (o Brasil é o terceiro País com o maior índice de suicídio entre os jovens de 10-24 anos) e o descaso com a juventude que vive em favelas e periferias, em
situação de pobreza e desrespeito a seus direitos fundamentais.

- A ausência de uma política pública de Saúde Mental com funções de acolher, escutar e tratar o sofrimento psíquico do sujeito, na perspectiva dos direitos humanos.

Além dos retrocessos mencionados, queremos repudiar veementemente as recentes declarações do Ministro da Educação, Milton Ribeiro, divulgadas na imprensa, de que diploma universitário não adianta “porque não tem emprego” (09/08/2021) e de que alunos com deficiência “atrapalham” o aprendizado de outros estudantes (17/08/2021). Não, Senhor Ministro, a universidade é para todos e todas, a sociedade tem o dever ético de criar as condições do pleno emprego para a população e se sabe, no mundo inteiro, que a educação superior é fonte de desenvolvimento do país. Não, Senhor Ministro, as crianças com deficiências não atrapalham as turmas, elas são um desafio e uma oportunidade educativa para elas e para os demais! Com elas, aprende-se, em particular, a importância da solidariedade, do humanismo, da diferença radical e constituinte do humano. Juntamo-nos às vozes docentes que defendem uma educação inclusiva, anticapacitista, antirracista, para resistirmos a um modelo rígido, linear e homogeneizador de escola. Defendemos uma escola pública, gratuita, integral e promotora de novos fazeres, radicalmente comprometida com todas as crianças, com ou sem deficiência.

Em síntese, queremos compartilhar com os educadores brasileiros de todos os níveis de ensino nossa crença pelo direito humano à educação como condição de desenvolvimento de capacidades humanas para o exercício de outros direitos como os sociais, políticos, econômicos, civis, de segurança, de moradia, entre tantos outros. As creches, as escolas, as universidades, não são um peso e uma ameaça para o Brasil. Ao contrário, são os melhores lugares para a promoção e o desenvolvimento das capacidades humanas. Por isso, são o presente e o futuro do país, um caminho poderoso e promissor para um país mais próspero, mais feliz, mais unido, orgulhoso de si mesmo. E livre.

O Brasil não merece a aceitação passiva desses retrocessos estarrecedores, com consequências presentes e futuras desastrosas. Fomos, somos e seguiremos sendo educadores/as comprometidos/as com a liberdade, a justiça, a democracia, os direitos humanos e sociais e com uma visão de educação e de escola voltada para a democracia e a humanização!

O presente Manifesto, dirigido aos/às educadores/as brasileiros/as, é iniciativa de professores/as e pesquisadores/as integrantes da UniProsa, coletivo coordenado pelos professores Celso Vasconcellos e Valdo Cavallet. O texto foi elaborado pela cooperação de numerosos membros do grupo, com a especial participação dos professores Bernard Charlot e José Carlos Libâneo.

Assinam pela UniProsa:

Adriana Beatriz Gandin (Pedagoga e Especialista em Tecnologias Educacionais)
Ana Ruth Starepravo (Numeraliza, Florianópolis/SC)
Ariana Cosme (Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto)
Arquilau Moreira Romão (Colégio Pessoa, Franca/SP)
Bernard Charlot (Universidade Federal de Sergipe-UFS)
Carlos Henrique Carrilho Cruz (ex-professor da Universidade Estácio de Sá)
Célia Maria Rodrigues da Costa Pereira (Universidade Federal de Pernambuco-UFPE)
Celso dos S. Vasconcellos (Libertad-Centro de Pesquisa, Formação e Assessoria Pedagógica)
César Nunes (Universidade Estadual de Campinas-Unicamp)
Cipriano Luckesi (Educador/Autor)
Custódio Almeida (Universidade Federal do Ceará-UFC)
Danilo Gandin (aposentado que trabalha)
Fátima L. Vidal Rodrigues (Universidade de Brasília-UnB; Conferência
Nacional de Alternativas para uma Nova Educação-CONANE)
Francéli Brizolla (Movimento de Alternativas para uma Nova Educação-MoANE; Universidade Federal do Pampa-Unipampa)
Helena Singer (Movimento de Inovação na Educação)
Isaac Roitman (Universidade de Brasília-UnB)
Isabel Parolin (Clínica Ellos; Pesquisadora do GAE-PUCPR)
Itamar Nunes da Silva (Universidade Federal da Paraíba-UFPB)
Jane Patrícia Haddad (Mestre em educação e Psicanalista)
Jaqueline Moll (Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS)
José Carlos Libâneo (Pontifícia Universidade Católica de Goiás-PUC Goiás)
José Pacheco (Escola da Ponte)
Júlio Furtado (Sygnus Consultoria Educacional)
Laura Monte Serrat Barbosa (Síntese-Centro de Estudos da Aprendizagem; GAE-PUCPR)
Lenir Maristela Silva (Universidade Federal do Paraná-UFPR Litoral)
Luca Rischbieter (Mestre em Educação-Paris V; Casa Labirinto)
Manoel Oriosvaldo de Moura (Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo-USP)
Maria do Socorro de Sousa (Mestrado Profissional Ensino na Saúde-CMEPES,Universidade Estadual do Ceará-UECE)
Marineide de Oliveira Gomes (Universidade Católica de Santos/SP)
Mario Sérgio Vasconcelos (Universidade Estadual Paulista-UNESP)
Mila Zeiger Pedroso (E.M. Antonio Coelho Ramalho, Ibiúna/SP)
Miriam Augusto da Silva (EPG Evanira Vieira Romão, Prefeitura Municipal de Guarulhos/SP)
Olgair Gomes Garcia (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUCSP;
Projeto de Valorização do Educador e Melhoria da Qualidade-PROVE)
Paulo Santos Lima Júnior (Biólogo e Mestrando em Educação na FURG)
Pedro Demo (Universidade de Brasília-UnB)
Rui Trindade (Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto)
Sonia Goulart (Conferência Nacional de Alternativas para uma Nova Educação-CONANE)
Susan Regina Raittz Cavallet (Movimento de Alternativas para uma Nova Educação-MoANE)
Terezinha Azerêdo Rios (GEPEFE-Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Educadores-FE/USP)
Valdo José Cavallet (Universidade Federal do Paraná-UFPR Litoral; Movimento de Alternativas para uma Nova Educação-MoANE)

Se concorda com este Manifesto e quer assinar, pode, por meio do link https://forms.gle/yeGAMjFMA2MfpfJCA.

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