“Conclamamos os brasileiros e brasileiras para que se unam pela superação da grave crise sanitária, econômica e social que assola o País, em um Pacto pela Vida e pelo Brasil”. Documento foi aprovado por unanimidade pela Assembleia Geral de Sócios da SBPC e recebeu apoio de mais de 40 entidades científicas de todo o País.
A Assembleia Geral de Sócios da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) aprovou por unanimidade a “Carta da Cidade de Natal”, manifesto em defesa da ciência e tecnologia, da educação de qualidade em todos os níveis, do meio ambiente, do desenvolvimento sustentável e da democracia no País. O documento foi votado em sessão realizada durante a 72ª Reunião Anual da SBPC, evento virtual organizado em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e até o momento recebeu o endosso de 40 entidades e associações científicas e acadêmicas de todo o País.
A carta começa lembrando com pesar os quase 170 mil brasileiros mortos pela covid-19 e prestando homenagem aos profissionais da saúde, pesquisadores, técnicos, estudantes e trabalhadores que estão na linha de frente contra a pandemia ao longo de todos esses meses. O documento pede união de todos os brasileiros, em um Pacto pela Vida e pelo Brasil, para que a grave crise sanitária, econômica e social que assola o País seja superada.
“O momento histórico demanda a superação do terraplanismo econômico que nos assola e que se promova um resgate do papel do Estado, essencial para estimular o desenvolvimento econômico e para a garantia dos direitos sociais dos brasileiros. É necessário o uso das políticas públicas adequadas como ferramentas para o crescimento, para o desenvolvimento científico e tecnológico, para a preservação ambiental, para redução das desigualdades econômicas, sociais, raciais, de gênero e regionais; em suma, para um desenvolvimento transformador da realidade brasileira”, ressalta a Carta da Cidade de Natal.
Veja abaixo o documento na íntegra:
CARTA DA CIDADE DE NATAL – 72a Reunião Anual da SBPC Ciência, Educação e Desenvolvimento Sustentável para o Século XXI
A Assembleia Geral da SBPC, ocorrida em sua 72a Reunião Anual, realizada virtualmente em parceria com a UFRN, se manifesta publicamente em defesa da ciência e tecnologia, da educação pública de qualidade em todos os níveis, do meio ambiente, do desenvolvimento sustentável e da democracia no País. Registramos nosso pesar pelas quase 170 mil pessoas mortas na pandemia e expressamos o nosso agradecimento a todos os profissionais da saúde, pesquisadores, técnicos, estudantes e trabalhadores que estão na linha de frente contra a COVID-19. Conclamamos os brasileiros e brasileiras para que se unam pela superação da grave crise sanitária, econômica e social que assola o País, em um Pacto pela Vida e pelo Brasil.
É essencial reverter o processo de desmonte do Sistema Nacional de CT&I resultante da redução drástica de recursos. É inaceitável que novos cortes sejam feitos para 2021 em um orçamento já tão reduzido. Os recursos para investimento no MCTI serão de R$ 2,7 bilhões, 34% menores do que os de 2020 e menos de um terço do valor de uma década atrás, o que afetará gravemente as instituições de pesquisa. Os recursos para bolsas do CNPq serão 10% menores que os de 2020, já bastante reduzidos em relação a anos anteriores, e 60% deles estão condicionados à quebra da Regra de Ouro. Para fomento à pesquisa, a previsão para o CNPq, em 2021, é baixíssima: R$ 22 milhões, 18% do valor de 2019. O orçamento da Capes estará 28% abaixo do de 2019, passando de R$ 4,2 bilhões para R$ 3,0 bilhões. Os recursos diminuíram 10% para as bolsas de PG e 28% para as bolsas da Educação Básica, em relação a 2020. Os orçamentos das despesas discricionárias das universidades e dos institutos federais, que vêm caindo desde 2016, serão reduzidos em cerca de 17%, em comparação com os de 2020; mais da metade destes recursos estão condicionados, o que gera um sério problema no seu fluxo de liberação.
Por outro lado, 90% dos recursos que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT teria para investimentos em 2021, ou seja R$ 4,8 bilhões de reais, estão destinados à Reserva de Contingência. Eles são absolutamente essenciais para o apoio à pesquisa científica e tecnológica e à inovação em universidades, ICTs, parques tecnológicos, start ups, pequenas e médias empresas, etc. Tal desvio de finalidade dos recursos do FNDCT não se justifica de nenhum modo uma vez que, pela legislação, deveriam ser destinados a atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Os cortes de recursos federais afetam também as atitudes e os valores investidos pelos estados em suas Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs), o que resulta em uma diminuição adicional de recursos. Em alguns estados, governantes têm tentado reduzir, por expedientes diversos e visão estreita, a destinação de recursos para as FAPs.
Os países desenvolvidos investem cada vez mais em CT&I, e de maneira ainda mais acentuada em momentos de crise econômica. Evidências claras demonstram que, nestes países e, também, no Brasil, o investimento em C&T tem repercussão social significativa e retorno econômico grande. A Constituição Federal coloca como obrigação do Estado promover e incentivar “o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação” e que “a pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação.” Queremos que a Constituição Federal seja cumprida! Neste momento crítico de pandemia, investimentos em CT&I são essenciais para o enfrentamento da Covid-19 e para a recuperação econômica do País.
No início de 2020, a SBPC, a ABC e uma centena de sociedades científicas destacaram, em carta ao MCTI sobre a Portaria 1122/2020, que os investimentos em CT&I não podem negligenciar o apoio à ciência básica, em paralelo às ações prioritárias nas áreas tecnológicas e de inovação. Programas amplos como os INCTs, o Edital Universal, o PIBIC e as bolsas do CNPq são estratégicos para a produção de novos conhecimentos científicos, a formação de profissionais inovadores e a consolidação de jovens pesquisadores. As prioridades definidas pelo MCTI devem ser rediscutidas com a comunidade científica, particularmente em relação ao apoio à ciência básica e às ciências humanas e sociais, na medida em que não se pode ignorar que o domínio da cadeia de conhecimentos é imprescindível para o desenvolvimento e para a soberania do País.
O Decreto 10534/2020, que institui a Política Nacional de Inovação e dispõe sobre a sua governança, não foi discutido adequadamente com a comunidade científica, como prometido anteriormente. Ele estabeleceu uma governança na área, a Câmara de Inovação, absolutamente centralizada no governo federal e sem representação dos atores sociais que geram ciência, tecnologia e inovação. Por outro lado, é importante que a comunidade científica e tecnológica se empenhe junto ao Congresso Nacional para que o Artigo 219 B, que estabeleceu o Sistema Nacional de CT&I, tenha seus parágrafos devidamente regulamentados: “§ 1º Lei federal disporá sobre as normas gerais do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação; 2º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios legislarão concorrentemente sobre suas peculiaridades.”
As ações da SBPC junto ao Congresso Nacional, em articulação com as entidades da Iniciativa para C&T no Parlamento (ICTP.br), buscarão a recomposição do orçamento do MCTI e dos recursos das Universidades Federais e dos Institutos Federais de Ensino Superior, tendo como meta os valores do Orçamento de 2017. No caso da Capes, queremos a recomposição dos recursos nos valores de 2019. Outra ação prioritária no Congresso Nacional, neste momento, é a aprovação, em regime de urgência, do PLP 135/2020, na Câmara Federal, que altera a natureza do FNDCT e extingue a sua Reserva de Contingência. Restará, ainda, pugnar pela liberação integral desses recursos para uso em CT&I já em 2021. Apoiamos, ainda, a PEC 24/2019, que exclui os recursos próprios das Universidades do limite do Teto de Gastos.
Em conjunto com diversas entidades científicas e tecnológicas que analisaram as condições atuais do Marco Legal de CT&I – que foi aprovado com amplo apoio de instituições da sociedade civil, do poder público e do Congresso Nacional – a SBPC aponta os graves riscos e atrasos decorrentes de sua não implantação efetiva. Não estão sendo respeitados alguns de seus pilares legais, como os que estimulam a cooperação das ICTS com a sociedade e com empresas, a simplificação da gestão de projetos de pesquisa, a redução da burocracia e a adoção, nas avaliações, de um sistema de controle por resultados. Solicitamos às autoridades de todos os níveis que promovam a implantação do Marco Legal e cumpram a legislação existente. Isso poderá contribuir para que o País alcance um maior desenvolvimento científico e tecnológico e supere a péssima posição, a 62a, que ocupa no Índice Global de Inovação em 2020.
A pandemia retirou os véus que mascaravam a situação crítica na qual sobrevivem as escolas públicas brasileiras, seus profissionais e estudantes. A Educação Básica Pública é importante para ajudar a reduzir as desigualdades e avançar a justiça social entre os brasileiros. Há uma disparidade enorme entre as próprias escolas públicas; a maioria delas têm limitadas condições de funcionamento, seja pela infraestrutura ou por seu quadro de pessoal, o que faz com que os estudantes sofram exclusões de toda sorte. O acesso desigual aos meios de comunicação e à internet deixa conhecimentos e interatividade social e pedagógica fora do alcance de grande número de escolares. Grande parte da população pobre não dispõe de computador e conexão de qualidade em casa, assim como muitos professores. Em muitas escolas públicas há poucos equipamentos para uso de professores e estudantes, e a conexão de internet é deficiente.
A dificuldade de acesso a acervos digitais, a falta de formação e de assessoria técnica aos docentes inibem os esforços para a comunicação com os alunos e a promoção da aprendizagem. Em algumas escolas falta até água encanada, algo inadmissível nos tempos da COVID-19. A grande maioria delas não dispõe de condições básicas, como áreas abertas, jardim, quadra esportiva, biblioteca, laboratório de ciências e refeitórios espaçosos. Os professores, em geral mal pagos, têm jornadas de trabalho extensas, excessivo número de alunos e raras oportunidades de planejamento coletivo e atualização profissional. Neste momento, torna-se inadiável reconsiderar as funções sociais da escola pública, suas condições de acolhimento e ensino de qualidade, assim como as adequações necessárias ao distanciamento social, cuidados com a higiene pessoal e atenção afetiva. É importante que seja repensado o projeto político-pedagógico e as condições de ensinar e aprender para todos na comunidade escolar.
O novo Fundeb, recentemente incorporado ao ordenamento constitucional federal, depois de um esforço grande da comunidade educacional e de setores diversos, representa um passo importante, mas não suficiente para a mitigação das desigualdades na educação básica. Os termos de sua regulamentação e o processo de implementação são, portanto, pautas centrais para análises e pesquisas educacionais e para a vigilância atenta da SBPC e de outras entidades. Reiteramos o nosso apoio às políticas de inclusão social na educação, em especial às ações que visam a garantir o acesso e a permanência dos historicamente excluídos ao Ensino Médio e ao Ensino Superior, como as leis de ação afirmativa, bem como às políticas que asseguram a manutenção dos mesmos nos cursos que escolheram.
Os responsáveis pela educação pública devem também adotar medidas que garantam um ensino remoto, quando necessário, que tenha qualidade e seja acessível a todos os alunos e estudantes, capacitando os docentes, bem como assegurando aos educandos os equipamentos que permitam o acompanhamento das aulas. Advogamos que, quando da volta às aulas presenciais – a ser adotada em consonância com as orientações científicas e de instituições e profissionais da saúde – sejam tomados os devidos cuidados com a saúde de alunos, professores e funcionários, adotando-se as medidas de higiene preconizadas pelos especialistas e formando um ambiente humano acolhedor para que a educação ajude a superar os dramas e traumas pelos quais terão, todos, passado.
No momento em que ganham destaque, inclusive em altos escalões governamentais, ideias obscurantistas e correntes anticientíficas, e que prejudicam enormemente o enfrentamento da pandemia, é essencial destacar a importância decisiva do conhecimento científico para as tomadas de decisão individuais e coletivas, para a gestão pública e para o desenvolvimento social e econômico do País. Um ensino de ciências de qualidade é fundamental para a formação do cidadão no mundo contemporâneo. Para que a escola cumpra suas funções é necessário que o Poder Público, em todas as instâncias, implemente políticas públicas intersetoriais que assegurem a efetivação da educação pública, laica, gratuita, inclusiva e de qualidade, tendo como base o Plano Nacional de Educação e o Sistema Nacional de Educação.
A SBPC tem discutido as políticas da CAPES e contribuído com o debate sobre a pós-graduação (PG). As consequências da Portaria 34 foram analisadas e se mostrou que ela traria prejuízo a programas de PG, em especial àqueles com notas 3 e 4 das regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste. Temos discutido o novo modelo de avaliação multidimensional, a questão da redução das áreas de avaliação e a nova proposta de Qualis. O novo Qualis ignora uma série de fatores importantes, toma a internacionalização como o critério fundamental – como se isso, por si só, gerasse a qualidade – e expressa um caráter punitivo e não educacional, além de não parecer abrigar uma preocupação maior com a realidade da PG e do País. Carrega, assim, o risco de se transformar em um fator não de aprimoramento, mas de desagregação na comunidade acadêmica. A SBPC e as sociedades científicas têm encaminhado críticas e sugestões de modificação às várias ações delineadas pela Capes. É importante salientar que elas deveriam ser discutidas e aperfeiçoadas com a participação dos principais atores envolvidos com a pesquisa e a PG. A presença da comunidade acadêmica e científica na formulação da política de PG tem sido reconhecidamente um dos principais pilares do seu sucesso, ao longo das últimas décadas.
A SBPC defende e reivindica o exercício da autonomia universitária. O preceito constitucional afirma que universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Manifestações e ações governamentais têm atacado estes aspectos tão caros do fazer acadêmico, fragilizando instituições reconhecidas pelo seu compromisso com a produção de conhecimento, a formação de pessoal qualificado e a criação de cultura em prol da sociedade. A nomeação recente de reitores, em mais de uma dezena de Universidades e Institutos Federais, que não possuem uma adequada representatividade nem legitimidade como lideranças acadêmicas, como pode ser aferido nos pleitos eleitorais realizados, tem causado forte e justa reação em suas comunidades e representam um ataque frontal às universidades públicas. Reitores nomeados com base em seu perfil ideológico, preteridos pelas suas comunidades e não possuidores do respeito acadêmico necessário à gestão universitária, via de regra, não serão capazes de mobilizar e conduzir adequadamente a instituição no seu necessário processo de desenvolvimento e inovação.
A SBPC se associa às entidades representativas dos segmentos da comunidade universitária e da sociedade organizada na defesa da autonomia universitária e se manifesta a favor da nomeação de dirigentes que sejam legitimamente eleitos, e que tenham representatividade consolidada e referendada em suas instituições. A nomeação de reitores não representativos rompe o diálogo colaborativo entre comunidade e governo para a gestão, o funcionamento e o aprimoramento das instituições universitárias. Alertamos para a importância de que o Artigo 207 da Constituição, para o qual a SBPC contribuiu significativamente no processo constituinte, seja regulamentado. Julgamos necessário, e propomos, que as universidade públicas e as comunidades que a constituem, aliadas a outros setores sociais, organizem uma Conferência Nacional sobre o Ensino Superior e a PG com o objetivo de analisar a situação e o funcionamento dessas instituições e de traçar diretrizes para seu fortalecimento, renovação e aprimoramento, dentro de seu papel indispensável para a educação, a ciência e a cultura no País.
Em relação às políticas e ações governamentais para o meio ambiente, que passam por um momento crítico e particularmente trágico, destacamos a relevância da adoção de medidas urgentes e efetivas de combate ao desmatamento, incêndios florestais e à perda de área de vegetação nativa em todos os biomas brasileiros, o que tem acarretado consequências graves para a biodiversidade e serviços ecossistêmicos. A conservação e o uso sustentável dos recursos naturais brasileiros dependem da gestão territorial responsável e da garantia de direitos de povos indígenas e comunidades locais e tradicionais na guarda de seus territórios e modos de vida. O uso dos recursos genéticos associados à biodiversidade e aos conhecimentos tradicionais, demanda que o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) atue na resolução dos entraves que ainda persistem para a pesquisa científica e para a repartição adequada de benefícios. A SBPC advoga a recomposição da participação da sociedade civil nos comitês e conselhos nos quais essa representação foi muito reduzida, como no Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e na Comissão Nacional para REDD+. A alteração radical e desastrosa na composição do Conama possibilitou a mudança na resolução que protegia as áreas de restinga e manguezais, uma decisão extremamente grave e que pode levar à destruição irreversível dessa biodiversidade e afetar fortemente a paisagem, o turismo e os investimentos.
A redução acentuada de recursos para o meio ambiente, prevista para 2021, coloca em pauta a necessidade da recomposição dos orçamentos do IBAMA e do ICMBIO e do orçamento global do MMA aos níveis de 2020. Pontos importantes são garantir recursos adequados para o Fundo Nacional de Meio Ambiente e o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, principalmente nas ações de mitigação de efeitos das mudanças climáticas e de aquecimento global, a recomposição e aumento de recursos destinados a ações de contenção de desastres ambientais (como derramamento de óleo e incêndios florestais), e ao monitoramento e à fiscalização em áreas federais prioritárias para a conservação da biodiversidade. Há ainda a necessidade de retomar o funcionamento do Fundo Amazônia, com a participação da sociedade civil e de representantes da comunidade científica, e utilizar os recursos disponíveis para fortalecer o seu papel para conhecer cientificamente e valorizar a biodiversidade, além do apoio às ações de combate ao desmatamento e degradação na Amazônia e às iniciativas de desenvolvimento sustentável.
Uma nova onda da COVID-19 atingiu países europeus possivelmente com magnitude e gravidade maiores do que a primeira. É preciso que o Brasil, que sequer superou a primeira e que não estabeleceu um planejamento nacional de enfrentamento da pandemia, adote uma postura mais adequada no sentido de proteger a população dos danos à saúde e com suporte econômico especialmente às populações mais vulneráveis. É fundamental que os governos, em particular o federal, atuem de forma coordenada em nível nacional e regional, colocando o enfrentamento da doença acima das disputas políticas e ideológicas. E que se substitua a postura negacionista e o discurso enviesado de um suposto paradoxo entre vida e economia por atitudes eficazes de planejamento e prevenção, levando em conta as orientações científicas e de organismos e profissionais da saúde, incluindo a adoção de estratégias para alta cobertura de vacinação tão logo demonstradas a segurança e a eficácia de vacinas em desenvolvimento.
A pandemia de Covid-19 está causando sérios impactos no Brasil e no mundo, cuja economia continuará debilitada no próximo ano. Estima-se que economia brasileira irá terminar 2020 com um nível de PIB cerca de 10 pontos percentuais abaixo daquele de 2014. A taxa de desemprego atingirá 15% da força de trabalho, o maior nível observado desde 2002. Apesar dessa catástrofe, a área econômica do governo reafirma a agenda de severo ajuste fiscal para 2021. Essa medida vai contra tudo o que tem sido defendido por muitos economistas qualificados e por organismos internacionais. Governos devem suprir a queda de demanda, elevando investimentos públicos em saúde, infraestrutura e proteção do meio ambiente, gerando emprego e ancorando as expectativas do setor privado, que pode voltar a investir. Uma demanda imediata é a prorrogação do Estado de Calamidade Pública e a extensão do auxílio emergencial destinado aos setores mais pobres da população. A EC 95 precisa ser revogada, pois é incompatível com a manutenção/ampliação do Estado do Bem-Estar Social e com a própria recuperação econômica.
O Brasil precisa repensar a sua agenda econômica e buscar soluções para o desemprego estrutural e para as carências sociais agravadas pela pandemia. A agenda de austeridade, representada pelo Teto de Gastos, no curto prazo se contrapõe à evidente necessidade de reconstrução e de proteção social, aí incluído o fortalecimento do SUS, e, no longo prazo, bloqueia possibilidades de construção de um país mais justo e consolida privilégios. O momento histórico demanda a superação do terraplanismo econômico que nos assola e que se promova um resgate do papel do Estado, essencial para estimular o desenvolvimento econômico e para a garantia dos direitos sociais dos brasileiros. É necessário o uso das políticas públicas adequadas como ferramentas para o crescimento, para o desenvolvimento científico e tecnológico, para a preservação ambiental, para redução das desigualdades econômicas, sociais, raciais, de gênero e regionais; em suma, para um desenvolvimento transformador da realidade brasileira.
É fundamental que se construa no País um projeto nacional, que possibilite um efetivo desenvolvimento social e econômico. Ele deve conduzir a um aproveitamento planejado, racional e sustentável das riquezas e potenciais do País, à melhoria nas condições de vida da população, à inclusão da saúde e do meio ambiente como componentes essenciais na dinâmica econômica, e à redução das enormes desigualdades existentes. É importante o estabelecimento de programas nacionais mobilizadores em áreas estratégicas e é fundamental que as políticas públicas para educação e CT&I estejam integradas em um projeto mais amplo de uma nação democrática, soberana, mais rica e justa, menos desigual e com desenvolvimento sustentável.
A posição da SBPC, neste momento crítico da vida nacional, no qual ocorrem ameaças e ações contrárias à democracia, é de reafirmar a necessidade imprescindível de respeito às liberdades democráticas consagradas na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição Federal. São direitos fundamentais a liberdade de pesquisa e de expressão e o exercício da democracia em sua plenitude. Em 2019, na Carta de Sobral, a SBPC fez uma conclamação cada vez mais atual: é essencial uma atuação vigorosa e permanente da comunidade científica, acadêmica e educacional como um todo, por meio de suas entidades e instituições de pesquisa. É necessária uma mobilização mais intensa dos pesquisadores, professores e estudantes, das entidades científicas e das instituições de ensino e pesquisa brasileiras, em conjunto com outros setores da sociedade civil, lideranças políticas e parlamentares, para exercerem uma pressão social legítima, que poderá ser determinante para a reversão do atual quadro de retrocessos no apoio à educação e à CT&I e de ameaças à democracia no País.
Natal, 23 de novembro de 2020
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As seguintes entidades subscrevem a carta:
Associação Brasileira de Antropologia (ABA)
Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação (ABECO)
Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas (ABCF)
Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC-Brasil)
Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM)
Associação Brasileira de Enfermagem (ABEN)
Associação Brasileira de Estudos Sociais da Ciências e das Tecnologias (ESOCITE.BR)
Associação Brasileira de Limnologia (ABLimno)
Associação Brasileira de Linguística (Abralin)
Associação Brasileira de Literatura Comparada (ABRALIC)
Associação Brasileira de Mutagênese e Genômica Ambiental (Mutagen.Br)
Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (ABRACE)
Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação Organizacional e Relações Públicas (Abrapcorp)
Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor)
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (ANPARQ)
Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS)
Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (ANPOF)
Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação (COMPÓS)
Federação das Associações Científicas e Acadêmicas da Comunicação (SOCICOM)
Sociedade Astronômica Brasileira (SAB)
Sociedade Brasileira de Biociências Nucleares (SBBN)
Sociedade Brasileira de Biofísica (SBBf)
Sociedade Brasileira de Ecotoxicologia (Ecotox-Brasil)
Sociedade Brasileira de Eletromagnetismo (SBMAG)
Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (SBEC)
Sociedade Brasileira de Farmacognosia (SBFGnosia)
Sociedade Brasileira de Física (SBF)
Sociedade Brasileira de Fisiologia Vegetal (SBFV)
Sociedade Brasileira de Genética (SBG)
Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC)
Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE)
Sociedade Brasileira de Matemática (SBM)
Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional (SBMAC)
Sociedade Brasileira de Microbiologa (SBMicro)
Sociedade Brasileira de Ornitologia (SBO)
Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP)
Sociedade Brasileira de Química (SBQ)
Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos (SBRG)
União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC-Br)
Fonte: SBPC