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16.06.2020 Ilustracao Materia Assedio Moral copyA violência no mercado de trabalho reificará ainda mais o/a empregado/a até atingir uma alienação absoluta. Leia, a seguir, o artigo de Liliana E. Bucci e Aníbal I. Faccendin pulicado pelo Clacso (Conselho Latino-americano de Ciências Sociais) e traduzido pelo Portal Democracia e Mundo do Trabalho em Debate (DMT)

Em todas as organizações trabalhistas há tensões constantes e, em alguns casos, em termos de exterioridade e que têm a ver com dois tipos de ameaças: 1) socioeconômica: crises políticas, econômicas e sociais, e 2) da natureza: desastres pandêmicos, epidemias e clima.

As pressões exógenas, como a atual pandemia de coronavírus (COVID-19), produzem fragilidade nas relações horizontais entre trabalhadores dentro de entidades trabalhistas e uma forte pressão vertical de domínio do trabalho em relação ao trabalhador. A tensão atual entre trabalhadores é causada pela incerteza sobre o emprego que toda crise sanitária traz.

É muito difícil para os funcionários gerenciar incertezas sobre seu futuro em uma situação em que os corpos de cada um e de todos os demais estão em jogo. Além disso, gerenciar os riscos do fato certo do desemprego que bate à porta de cada um torna suas vidas ainda mais vulneráveis.

O desemprego produzido pela atual crise do COVID-19 poderia fazer com que os processos de “impotencialização” individual proliferassem, expandissem e se desenvolvessem geometricamente.

A situação que o trabalhador tem que conjugar agora, em circunstâncias de pandemia, é muito complexa. Pois, além da insegurança em saúde, a insegurança econômica é adicionada. É demais para um único corpo.

A violência de mercado no trabalho se caracteriza pela demissão do funcionário, gerando uma competição selvagem entre colegas, também por consequências predatórias, submissão, ameaças, intimidação as relações desumanizadoras e, por si só, como já sabemos, a perda factual das históricas conquistas trabalhistas. Por exemplo, a redução do salário, ainda que na folha de pagamento figure a cobrança de um valor superior ao que realmente se recebe. Ou o fato de fazer o funcionário trabalhar horas que nunca serão pagas. Isso é pior que a escravidão.

A violência no mercado de trabalho reificará ainda mais o empregado até atingir uma alienação absoluta. E também é possível chegar ao grave ponto de que o medo ou terror da miséria do desemprego faça com que os trabalhadores reproduzam a violência entre os colegas. Dessa maneira, a dinâmica do assédio estará na ordem do dia; os companheiros se relacionarão de maneira cruel, tentando desviar-se do caminho um do outro para não ficar fora de lugar; um desconfortável ambiente de trabalho se tornará uma rotina diária; e o contexto, as condições de trabalho, as relações entre os trabalhadores, as obrigações e os requisitos gerarão respostas destrutivas e coléricas nas quais, dissimuladamente, as agressões insidiosas serão as vencedoras.

Definiremos assédio moral no trabalho ou mobbing, processo de vitimização ou assassinato psicológico, também chamado de perseguição no trabalho, como: “toda conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude) que tente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade mental ou física de uma pessoa, pondo em risco seu emprego ou degradando o ambiente de trabalho”.

Se trata de uma forma de abuso de poder, uma violência onde o objetivo é eliminar o colega de trabalho. Em várias organizações trabalhistas, isso se mantém e cresce enormemente. Algumas de suas consequências serão riscos psicossociais ocupacionais, como o assédio sexual, a discriminação, o estresse no trabalho e o burnout.

Esses riscos ocupacionais compõem as chances de um trabalhador sofrer danos devido à organização desarticulada de empresas ou locais de trabalho ou devido a inadaptações nos postos de trabalho. O impacto psicológico-laboral da quarentena – necessidade de proteção e cuidado – diante desta pandemia de COVID-19 pode ser mais duradouro do que o estimado e seu efeito será uma população com medo, terror, desesperança, estresse real devido à proximidade de morte provável; uma população traumatizada, indefesa contra o desconhecido ou o fantasmagórico, que empreenderá diferentes formas de sobrevivência.

Devemos saber que nem sempre existem respostas esperadas para situações inesperadas. A garantia da prevenção e redução da violência laboral no local de trabalho deve ser o Estado nacional. A COVID-19 trará recessão, mais desemprego, com baixos salários e baixa dignidade. A barreira de contenção à barbárie deve ser o Estado do bem comum. Ou seja, o Estado nacional com o apoio dos estados provinciais, municipais e comunais. Somente dessa maneira a violência laboral exógena pode ser mitigada ou erradicada, para impedir que ela se internalize nas organizações trabalhistas.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), existem 3,3 bilhões de trabalhadores no mundo, muitos dos quais têm empregos precários e altamente incertos. Entre eles, 700 milhões de trabalhadores empregados vivem na pobreza ou pobreza extrema. Eles têm más condições de trabalho. E a tendência nesse sentido não diminui. Os desempregados no mundo somam 192 milhões de pessoas, segundo dados de agências da ONU.

Na Argentina, o número de trabalhadores atinge 12,14 milhões, o nível de o desemprego é de 10,6%. Em outras palavras, cerca de 2 milhões de pessoas não têm emprego. Tudo indica que a recessão dos últimos quatro anos será adicionada à gerada pela pandemia de coronavírus.

A violência do mercado de trabalho que descrevemos pressionará as instituições de trabalho, gerando conflitos extraordinários com relação aos conflitos endógenos que geralmente ocorrem – válida a redundância – internamente nas instituições de trabalho.

O caminho que o governo argentino adotou atualmente para reduzir, prevenir e erradicar a violência laboral no local de trabalho é positivo e deve ser aprofundado. Assim, no contexto da pandemia de coronavírus e, portanto, da emergência sanitária, foi emitido um conjunto de regulamentos importantes, a saber: Decreto de necessidade e urgência nº 311/20206, que proíbe o corte de serviços de água, eletricidade, gás, internet e telefone celular por dívidas por um período de cento e oitenta dias; o decreto de necessidade e urgência nº 320/20207, que suspende os despejos e congela os aluguéis até 30/09/2020; e o decreto nº 329/20208, que proíbe demissões sem justa causa, por falta ou redução de trabalho, ou por força maior a partir de 01/04/2020 por sessenta dias.

Todas essas normas de políticas públicas ajudam a reduzir a violência laboral que, externamente, afeta a relação interna de trabalho e gera desconforto. Esta crise de saúde exige que a Convenção 190, de 10/06/2019 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre violência e assédio no mundo do trabalho seja aplicada em todos os países. E, é claro, que seja ratificado e efetivado na Argentina.

A COVID-19 também terá impacto nas doenças e acidentes de trabalho no mundo e, obviamente, na Argentina. Nesse sentido, devemos alcançar uma redução ou extinção do número de acidentes de trabalho no planeta, que geram 250 milhões de contratempos por ano, 160 milhões devido a doenças ocupacionais e 3.000 mortes por acidentes ocupacionais por dia, a uma taxa de duas mortes por minuto.

A violência laboral nesta época do coronavírus aprofunda o número de infortúnios. Nesta fase da crise da pandemia, o trabalho deve ser uma fonte de vida e não de dor, perseguição e patologização, levando em conta que é um espaço em que 1 milhão de suicídios ocorrem anualmente por pessoas depressivas.

Atualmente, a prevenção e a contenção do Estado são prioridades para evitar outras pandemias marcadas pela violência no mercado de trabalho. Devem ser criados novos métodos de organização do trabalho nos quais todos tenham um lugar, nos quais haja consciência de que a situação econômica da pandemia afetará especialmente o trabalho e que será necessário gerar atividades de trabalho em equipe, em solidariedade, criando um ambiente de trabalho com um compromisso compartilhado e relacionamentos saudáveis.

Essas serão as variáveis de um avanço, de um progresso, de um estado de saúde. Será uma prioridade imperativa. O trabalho é um direito humano e é justiça social alcançar essa dignidade. Por esse motivo, é necessário mais do que nunca um Estado protetor, interveniente, contentor e de bem-estar. Assim, a solidariedade trabalhista será gerada do Estado para o empregado e será assim replicada horizontalmente entre pares, o que fará com que cessem as pressões da recessão econômica. É o Estado de bem-estar social que terá que estabelecer limites e erradicar a violência laboral no local de trabalho.

Liliana E. Bucci é Mestre em Saúde Mental. Psicóloga Membro do Observatório de Direitos Humanos da Universidade Nacional de Rosário. Membro do Comitê Acadêmico do CIEHMGE, UNR.

Aníbal I. Faccdendini é Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais. Cientista social. Licenciado em ciências sociais. Advogado trabalhista. Professor da UNR. Mediador. Assessor jurídico de ONGs em direitos sociais e trabalhistas.


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