No período que antecedeu o Sínodo dos Bispos para a Amazônia, Assembleia dos Bispos a ocorrer entre os dias 6 e 27/10/2019 no Vaticano, o mundo assistiu horrorizado quase 80 mil focos de incêndio consumir 6 mil quilômetros quadrados de uma floresta que serve de lar para, pelo menos, 10% da biodiversidade conhecida do mundo e que puseram em risco a vida de milhões de habitantes indígenas.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 06/10/2019 e republicada por IHU on line. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em resposta a estes incêndios destruidores, no sábado Francisco convidou os aproximadamente 300 bispos e demais participantes do sínodo deste ano a acenderem um tipo diferente de fogo, um tipo que salva – o fogo da “prudência audaciosa”, segundo o papa, um fogo alimentado pelo Espírito Santo.
“Jesus veio trazer à terra, não a brisa da tarde, mas o fogo”, lembrou ele aos participantes do sínodo durante a missa de abertura do evento no sábado. Literalmente, o plano deste sínodo parece que é combater o fogo com fogo.
“O fogo ateado por interesses que destroem, como o que devastou recentemente a Amazônia, não é o do Evangelho”, continuou. “O fogo de Deus é calor que atrai e congrega em unidade”, disse o papa. “Alimenta-se com a partilha, não com os lucros. O fogo devorador alastra quando se quer fazer triunfar apenas as próprias ideias, formar o próprio grupo, queimar as diferenças para homogeneizar tudo e todos”.
Ao empregar estes termos em um sínodo no qual os direitos e a dignidade de aproximadamente 400 comunidades na Amazônia estão em debate, o papa envia uma mensagem clara sobre a “ganância dos novos colonialismos”.
“Contudo quantas vezes o dom de Deus foi, não oferecido, mas imposto!”, continuou o pontífice. “Quantas vezes houve colonização em vez de evangelização!”
Alguns indígenas da Amazônia estiveram em evidência na Basílica de São Pedro no sábado, com vários deles vestindo cocares nativos com penas coloridas.
Ao convidar os bispos reunidos este mês em Roma para serem pastores, e não burocratas, Francisco pediu que não permitam que o fogo do Espírito seja “sufocado pelas cinzas dos medos e pela preocupação de defender o status quo”.
“Se tudo continua igual, se os nossos dias são pautados pelo ‘sempre se fez assim’, então o dom desaparece”, disse.
Nesse sentido, Francisco convidou os bispos serem “fiéis à novidade do Espírito”, definido por ele como “o oposto de deixar as coisas correr sem se fazer nada”.
De improviso, o papa acrescentou que “alguém poderia achar que a prudência é uma virtude (...) que para tudo a fim de evitar cometer um engano. Não, ela é a virtude da governança”, declarou. Francisco citou Bento XVI para dizer que a Igreja é essencialmente missionária, afirmando que “a Igreja deve sempre estar em movimento, estendendo suas mãos, não fechando-se em si mesma”.
O pontífice acrescentou ainda uma referência aos mártires da região amazônica, lembrando o Cardeal Cláudio Hummes, um dos três presidentes do sínodo deste ano, para indicar que “todos eles merecem ser canonizados”.
Curiosamente, a metáfora do fogo usada pelo papa poderia ser estendida em um outro sentido, como em referência aos debates acalorados eclesiásticos e políticos que este sínodo tem provocado desde o seu anúncio dois anos atrás, em outubro de 2017.
O quanto crítica este evento já atraiu?
Bem, consideremos que há dois anos Francisco presidia uma oração pela criação nos jardins do Vaticano, com uma cerimônia indígena conduzida por nativos que tinham vindo para o sínodo. Reportagens sobre a cerimônia atiçaram a fúria em alguns setores conservadores porque o que feito equivalia, para eles, a uma profanação no Vaticano, acolhendo um “ritual pagão”.
Naturalmente, estando nós no século XXI, tantos os que se indignaram quanto os que apoiaram a ideia foram aos meios de comunicação para se manifestar.
Por outro lado, consideremos que todo meio de comunicação importante no mundo tem prestado atenção neste sínodo, inclusive a The Economist, que publicou um artigo intitulado “A high-noon moment for Pope Francis over the Amazon” (O momento de matar ou morrer do Papa Francisco sobre a Amazônia). O Sínodo dos Bispos 2019 transformou-se no foco por excelência das mais variadas reações, tanto para com o papa como para o seu papado.
Críticos tradicionalistas acusam que o Instrumentum Laboris (documento de trabalho) para a assembleia sinodal deste ano flerta com heresias em vários pontos, cortejando uma idolatria pagã da natureza e diminuindo a singularidade da salvação conquistada por Cristo por meio de uma celebração acrítica da religiosidade indígena.
O Cardeal Walter Brandmüller, hoje com 90 anos, está entre os expoentes desta opinião, chegando a comparar o Instrumentum Laboris a um hino socialista alemão da década de 1910 que, posteriormente, fora adotado pela Juventude Hitlerista.
Provavelmente este sínodo abordará também a questão dos viri probati, isto é, homens casados provados que poderiam ser ordenados ao sacerdócio para atuar em comunidades isoladas. Este assunto igualmente tem levado a debates acalorados.
Sabendo que as águas são perigosas, alguns prelados já estão lançando mão de suas habilidades pessoais. Na sexta-feira, assisti o Cardeal Fridolin Ambongo Besungu, da República Democrática do Congo, responder a uma pergunta de um repórter francês sobre os viri probati, em que adentrou em um ‘fervorino’ sobre a Amazônia, região comparada a um pulmão que estaria enfrentando os mesmos desafios que a Bacia do Congo atualmente enfrenta. Sua resposta foi articulada, inteligente e, claro, completamente à parte da pergunta de fato lhe endereçada.
A última coisa que se pode dizer do Papa Francisco é que ele desconhece esse contexto mais amplo. Assim, certamente ele sabe as reações que este sínodo tem gerado e, igualmente, sabe que elas não o deterão.
“Muitos irmãos e irmãs na Amazônia carregam cruzes pesadas e aguardam pela consolação libertadora do Evangelho, pela carícia de amor da Igreja”, disse ele no sábado. “Por eles (…), com eles, caminhemos juntos”.
Portanto, o cenário parece estar definido para um belíssimo drama, composto tanto de luz quanto de calor, para as próximas três semanas. No sítio Crux, cobriremos em tempo integral o evento. Portanto, fique ligado!
Nota de IHU On-Line: A íntegra da homilia do Papa Francisco na abertura do Sínodo da Amazônia, em português, pode ser lido aqui.
Clique aqui para ver o documentário, produzido pela Verbo Filmes, que expõe uma visão geral do Sínodo para Amazônia, convocado pelo Papa Francisco, em 2017. O que se entende por um sínodo, o tema, o processo e as expectativas são alguns dos pontos qua aparecem neste vídeo. Tradutores: Jorge Calderón (Espanhol), Ramlit Navarro (Inglês), Norbert Foester (Alemão), Arlindo Dias e Enzo Santângelo (Italiano), Christin Michel (Francês)