Em 13 de setembro de 2017 completam-se 30 anos que uma cápsula contendo 19 gramas de Césio-137 iniciou o maior acidente radioativo do Brasil, provocando a morte de quatro pessoas inicialmente e um número desconhecido nos anos seguintes, contaminando direta e indiretamente centenas de moradores e causando pânico em Goiânia. Mesmo após 3 décadas, a luta pelos direitos das vítimas ainda se faz necessária. Para dar visibilidade a sua luta, o Fórum Permanente sobre o Acidente com o Césio-137 e parceiros promoverão espaços de discussão e atos culturais nos dias 12 e 13/09/2017. Na sequência, entre os dias 18 de setembro a 21 de outubro, estará em cartaz no espaço Culturama a exposição fotográfica Hiroshima Nunca Mais, que conecta a tragédia de Goiânia com a luta antinuclear no Brasil e no mundo.
Para o coordenador do Fórum, professor Júlio Nascimento, o objetivo dos eventos é não esquecer: "Retomar a lembrança do acidente, não deixar que essa memória social se apague, porque dela depende a atenção com a qual sociedade vai fiscalizar a ação do Governo no cumprimento de suas obrigações para com as vítimas. Então os eventos têm essa dimensão política e também de procurar evitar que se cometam novos erros. Aí entra a questão da política nuclear, que gerou a tragédia de Goiânia. Precisamos evitar novos problemas, mantendo a sociedade atenta às decisões que afetam sua segurança e seu futuro".
A omissão do Estado na fiscalização do aparelho radiológico, abandonado criminosamente pelo Instituto Goiano de Radiologia, a demora na identificação e contenção da contaminação foram fatores-chave para que o desastre tomasse a proporção que tomou. Isso torna o Estado de Goiás e o Governo Federal, através da CNEN, responsáveis por mitigar os danos.
Suely Moraes da Silva, presidente da Associação de Vítimas do Césio-137, também espera que haja uma sensibilização por parte desses órgãos em atender demandas urgentes e afirma que a assistência tem falhado. "Passamos pela bateria de exames periódicos no Centro de Assistência aos Radioacidentados (CARA), mas não estamos recebendo remédios. Quem tem dinheiro para comprar, compra; quem não tem, fica sem", reclama. Ela também afirma que a pensão que as vítimas têm direito está defasada em relação ao salário mínimo.
Suely faz parte do grupo 2, composto por pessoas contaminadas indiretamente, e passa por acompanhamento médico anual no CARA. Um dos efeitos identificados da contaminação em sua saúde é a polineuropatia, doença que afeta os nervos e causa insensibilidade nas extremidades dos membros. Ainda morando na rua onde aconteceu a contaminação, ela assiste seus vizinhos adoecerem: "Já são 24 pessoas com câncer em um raio de 500 metros˜. Além disso, como todas as vítimas, ela convive com o preconceito, seja de forma aberta ou velada, e relata o desânimo de outros contaminados com a falta de ação do estado. A situação é pior no grupo 3, composto pelos trabalhadores e militares sem formação nem informações adequadas que realizaram a descontaminação dos locais atingidos pelo Césio. Ainda existem muitas pessoas que não são reconhecidas como vítimas pelo Estado e precisam recorrer à justiça para obter a devida assistência.
Programação múltipla
A saúde das vítimas é o tema do seminário que abre as atividades no dia 12/09 (terça-feira), a partir das 8 horas, na Associação de Magistrados do Estado de Goiás (Asmego) . Com a participação de médicos especialistas em radiação, advogados e ativistas antinucleares, a abordagem promete ser interdisciplinar. Para Julio Nascimento, assim deveria ser também a assistência oferecida: “Um atendimento que desse conta da qualidade de vida delas como um todo, um atendimento integral. É preciso recompor a cidadania das vítimas, e o atual modelo praticado pelo governo não atende essa necessidade. É preciso também transparência na divulgação de resultados do monitoramento do depósito de rejeitos de Abadia de Goiás e de Goiânia. Só a informação honesta e bem conduzida poderá gerar tranquilidade e eliminar as dúvidas que alimentam os medos cultivados pelo imaginário coletivo. Goiânia precisa se curar deste trauma. É preciso estudar a relação do acidente com o elevado índice de câncer que a cidade apresenta”, defende. Na abertura, será exibido o documentário “Césio-137 o Brilho da Morte”, de autoria do professor Luiz Eduardo Jorge, que faleceu em maio deste ano.
No dia 13/09 (quarta-feira), a partir das 8 horas, a audiência pública na Assembleia Legislativa de Goiás será um momento de prestação de contas das instituições e de reforço na reivindicações das vítimas. Estarão presentes, além do presidente da Assembleia Legislativa, representantes da Comissão Nacional de Energia Nuclear, do Centro de Assistência aos Radioacidentados, da Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos de Goiânia e da CNBB.
A arte estará presente na programação com o objetivo de provocar reflexões. O primeiro momento será no dia 12/09, a partir das 19 horas, na sede da Asmego, quando será exibido e debatido o filme "O Suplício - Vozes de Chernobyl", sobre o acidente nuclear acontecido na Ucrânia um anos antes da tragédia do Césio. A exibição do filme baseado no livro da ganhadora do Nobel de literatura Svetlana Aleksievitch é fruto do apoio da 6ª Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental. Na noite do dia 13, a partir das 20h, o grupo de dança Por Quá realiza um ato cultural-político com trilha sonora ao vivo do grupo Vida Seca. A intervenção artística acontece na rua 57, epicentro da tragédia.
O registro fotográfico do acidente também será explorado em duas exposições. De 12 e 14/09/2017, estarão expostas fotografias do acervo da Associação de Vítimas do Césio-137 no Hall de entrada da Assembleia Legislativa de Goiás e na Asmego. A partir do dia 18 até 21/10/2017, os goianienses poderão conferir a exposição Hiroshima Nunca Mais, que traz a relação entre a tragédia de Goiânia com os impactos e com os movimentos sociais de resistência ao nuclear no Brasil e no mundo. A exposição, que já esteve em cartaz em Angra dos Reis e São Paulo, é produzida pela Sociedade Angrense de Proteção Ecológica, entidade antinuclear atuante em Angra dos Reis.
Acesse aqui a matéria publicada no Correio Braziliense