Associação de Professores
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Resultado de imagem para MARTHA C. NUSSBAUMUm manifesto contra a redução das disciplinas humanas da educação, que vêm sendo gradativamente retiradas dos currículos escolares e universitários em detrimento de conteúdos que preparam os/as alunos/as apenas para serem economicamente bem-sucedidos. Esse é o alerta do livro Sem fins lucrativos – Por que a democracia precisa das humanidades (Martins Fontes, 2015; 176 p.), de Martha C. Nussbaum, professora emérita de direito e ética da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. O livro defende que é necessário resistir às tentativas de redução do ensino a mera ferramenta do Produto Interno Bruto e que o papel do ensino é proporcionar aos estudantes a capacidade de exercício da cidadania. Nesta entrevista por e-mail, a professora fala um pouco sobre a importância do processo educacional para o pleno exercício da democracia.

Extra Classe – Quando começou o processo de redução das disciplinas de humanas e artes e a priorização do crescimento econômico na educação?

Martha C. Nussbaum – O ataque às humanidades e a preferência por disciplinas mais úteis ao lucro é muito antiga. John Stuart Mill, por exemplo, Reitor da Universidade de St. Andrew, em 1867, descreveu o ensino superior na Grã-Bretanha como um modelo baseado no lucro e argumentou que o sistema tradicional escocês, estruturado nas artes e humanidades, era muito superior. E, claro, mesmo quando as artes liberais foram favorecidas, era apenas para uma elite privilegiada. Foi somente depois da Segunda Guerra Mundial, em que uma lei nos EUA passou a oferecer educação universitária a todos os veteranos, que a ideia de que todos os cidadãos devem ter uma educação em artes tornou-se popular. Mas o ímpeto de deixar a educação superior com uma visão mais estreita ganhou impulso mesmo após a crise econômica de 2008.

EC – O formato de “educação para ser economicamente produtivo” é o resultado de projetos pedagógicos das escolas e universidades ou tem a ver com a forma como os professores conduzem a educação?

Martha – Esse movimento não tem quase nada a ver com os professores. Nas universidades, ele está sendo imposto pelos políticos contra a vontade dos professores e nas escolas é imposto através de ideias de cima para baixo de exames nacionais, que os professores normalmente odeiam.

EC – Quais são os principais sintomas de que as democracias modernas não estão com a educação no caminho certo?
Martha – Eu diria que o clima do debate político é o principal sintoma. Nós não encontramos debates muito fundamentados. Em vez disso, a política está rapidamente se transformando em um reality show em que ninguém ouve ninguém, nem desenvolve uma linha de calma e cuidadosa argumentação; e, em vez disso, é tudo ostentação, xingamentos e interrupções.

EC – Como é observado o processo de submissão ao lucro na educação básica?
Martha – Cada país é de uma forma. Mas podemos ver o que está acontecendo através do estudo das métricas internacionais de sucesso, tais como os testes do PISA, que incidem sobre uma gama extremamente estreita de habilidades e não investigam o pensamento crítico, a imaginação ou compreensão histórica.

EC – Como a educação reflete a capacidade do indivíduo para criticar a autoridade em uma democracia?
Martha – Sabemos que todos os seres humanos são propensos a um nível perigoso de respeito à autoridade, a menos que a educação contrarie essa tendência com o ensino de habilidades de pensamento crítico e divergência saudável.

EC – Os problemas de rejeição de imigrantes que está ocorrendo em todo o mundo pode ter sido intensificado por essa educação focada apenas no PIB?
Martha – Sim, eu acho que este é um ponto correto. A educação da forma como recomendo ensina habilidades de debate respeitoso que fazem encontros com pessoas de diferentes culturas serem ricos; e também inclui muita aprendizagem sobre religiões e culturas do mundo, desfazendo estereótipos simplistas. Além disso, alimenta a capacidade de se imaginar na posição de outra pessoa. Muito do que se vê hoje é obtusidade dirigida pelo medo e total falta de conhecimento.

“Os líderes de negócios em todo o mundo devem entender que uma cultura empresarial saudável precisa cultivar o pensamento crítico e a imaginação”

EC – A senhora é contra a educação para o lucro nas universidades? Por que defende a formação generalista?
Martha – Eu não sou contra o ensino de habilidade para o lucro. O primeiro ponto a ser feito é que os líderes de negócios em todo o mundo acreditem que uma cultura empresarial saudável precisa cultivar o pensamento crítico e a imaginação. A inovação é fundamental na economia moderna e nós não temos como obtê-la com o ensino de competências já conhecidos: é preciso incentivar o pensamento arrojado e imaginativo. Outro ponto a ser implementado é que nós não precisamos escolher entre a educação liberal e o foco na técnica. Se seguirmos o sistema que é tradicional na Escócia, EUA e Coreia do Sul, os estudantes escolhem um grande tema e também devem completar uma série de requisitos de educação geral. A lógica por trás disso é que a educação prepara os alunos não apenas para o lucro econômico, mas também para a cidadania e a vida.

EC – A educação é um bom negócio para as empresas que investem no mercado de ações. É esta a raiz de todo o problema?
Martha – Não tenho certeza. Eu realmente não acho que a educação seja vista como “um bom negócio”. As empresas precisam de trabalhadores qualificados, mas isso é uma questão diferente.

EC – A educação on-line pode contribuir para o aumento das humanidades e artes na educação?
Martha – Sim, a EaD tem algumas boas características. Alunos que não têm acesso a uma boa universidade podem ter uma boa educação on-line. Além disso, ela fornece padrões uniformes de qualidade. No entanto, é muito inferior à educação presencial. A discussão e o feedback, comentários do professor sobre atribuições de escrita do estudante, são muito, muito importantes, e isso é melhor realizado em uma relação face a face.

EC – Qual é a responsabilidade ou interesse dos governos na educação para o lucro?
Martha – Eu acho que os governos devem perceber que sua responsabilidade inclui a preparação para um futuro de cidadania democrática ativa e estável. Mas eles não percebem isso, então pode ser necessário em alguns casos para contar, em parte, com o financiamento privado.

 

Fonte: Extra Classe


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