Participantes da Campus Party Recife debateram, entre outras atividades, aplicações humanizadas das novas tecnologias
Um aplicativo para ajudar mulheres a sair de relacionamentos abusivos, outro para alfabetizar crianças com deficiência ou dificuldade de aprendizagem, um que atua na geração de dados para localizar e prevenir epidemias. Com temas diferentes, esses projetos têm uma coisa em comum: usam a tecnologia para ajudar a resolver problemas coletivos, um dos principais focos da Campus Party Recife. O evento de inovação e tecnologia realizado no fim de semana (20 e 21/08) na capital pernambucana abriu espaços para atividades que discutem como usar o conhecimento tecnológico para atuar em causas sociais de diversas áreas. Há também uma área de exibição de 20 startups – embriões de empresas com ideias inovadoras em busca de um modelo de negócio viável – na parte pública do evento, onde também ocorrem palestras gratuitas sobre empreendedorismo.
Entre os projetos selecionados, alguns buscam investidores para começar a funcionar e há os que já saíram do papel, como o aplicativo criado pela empresa Epitrack que usa informações enviadas por usuários para ajudar na identificação de possíveis focos epidêmicos de doenças como a dengue e a zika.
"Éramos um grupo de pesquisa dentro da Fundação Oswaldo Cruz e observamos que o nosso modelo de juntar tecnologia com saúde pública estava conseguindo chamar a atenção de outras pessoas que queriam nos contratar. Aí a gente pensou em formular a Epitrack para oferecer isso de uma maneira mais escalável para a sociedade", contou o CEO (Chief Executive Officer, na sigla em inglês) e cofundador da Epitrack, Onício Leal.
Por meio do aplicativo, o cidadão fornece informações sobre os sintomas que está sentindo e informa detalhes para ajudar a localizar a origem do problema, como viagens ao exterior ou o contato com alguém que estava doente. O aplicativo registra a localização do usuário, analisa os dados enviados por milhares de pessoas – epidemiologistas fazem parte da equipe – e fornece a análise para entes públicos que contrataram o serviço, como a prefeitura do Recife e o Ministério da Saúde.
Segundo Leal, o instrumento pode ajudar os gestores a tomar decisões, inclusive de forma preventiva, já que reúne dados tradicionalmente colhidos em pesquisas que levam mais tempo para serem realizadas. "A velocidade que a tecnologia proporciona fazer isso em relação aos meios tradicionais é muito grande. Então você consegue ter a informação em tempo mais oportuno, proporcionando uma velocidade maior de resolução daquele problema social". No aplicativo, os usuários têm à disposição orientações sobre saúde e endereços de Unidades de Pronto Atendimento (UPA) próximas.
Acolhimento e informação
Outras iniciativas apresentadas no evento ainda dependem de financiamento para começar a funcionar, como o Mete a Colher, que nasceu em um grupo feminista para auxiliar mulheres a sair de relacionamentos abusivos. O projeto foi elaborado para estimular vítimas a denunciar violência doméstica e funciona como uma página no Facebook que une pessoas que precisam de ajuda àquelas que se dispõem a ajudar.
A intenção agora é criar um aplicativo de atuação nacional. "Vimos que a necessidade maior é justamente empoderar mulheres para sair do relacionamento. Antecipar toda essa cadeia de ajuda, mostrar os caminhos necessários. Uma mulher que está passando por isso não sabe o que fazer, quem procurar", disse uma das idealizadoras do projeto, Thaísa Queiroz.
O aplicativo feminista pretende oferecer quatro serviços: atendimento psicológico, assistência jurídica, inserção no mercado de trabalho e acolhimento emergencial das mulheres para que possam sair de casa. A tecnologia, nesse caso, vai automatizar um serviço que atualmente é feito pelas pessoas da equipe.
"Hoje as mulheres chegam com pedidos de ajuda pela fanpage e a gente faz a conexão com o nosso banco de dados. É um trabalho manual mesmo, mais limitado. Com o aplicativo a intenção é que a rede funcione por si só, e funcione de forma mais rápida e eficaz", disse Thaísa. O desafio é conseguir os recursos para tirar a ideia do papel. Para isso o grupo resolveu usar o financiamento coletivo pela internet.
Já o projeto Sons e Gestos aposta na conquista de investidores para financiar a criação de um aplicativo voltado à alfabetização de pessoas com deficiência ou com dificuldade de aprendizagem. O app está pronto e passa por fase de validação da tecnologia com pacientes e por meio de um projeto de piloto em uma escola do Recife. O método usado foi desenvolvido por uma equipe multidisciplinar que já aplica as técnicas há mais de dez anos de forma presencial.
"Como a estratégia já é aplicada em jogos físicos, a ideia é transpor as barreiras das escolas e consultórios e que os alunos fiquem mais focados para aprender. Por exemplo: a gente testou com um paciente com autismo que estava muito disperso na hora porque tinha muita gente na sala. Quando a gente mostrou o aplicativo a ele parece que o mundo parou e ele ficou concentrado no aplicativo e de primeira já acertou tudo, ficou repetindo várias vezes", conta a CEO da T-access, empresa que desenvolve a ideia, Virgínia Chalegre.
Ainda pouco atrativos
Para a diretora de mentoria do projeto Porto Social, Ana Carla Marinho, falta profissionalização e que as organizações façam uma mensuração de seus resultados para atrair o invesimento privado. O Porto Social é um projeto que visa a acelerar e incubar organizações que fazem empreendedorismo social. O conceito pode ser aplicado a organizações da sociedade civil dedicadas a resolver um problema coletivo, sejam organizações não governamentais, associações ou mesmo empresas que utilizam todo o lucro que recebem para reinvestir no projeto.
"No Nordeste estamos bem no começo dessa questão de doações. Porque as organizações não governamentais (Ong), ainda não estão preparadas para receber essa doação. Às vezes, o empresário quer doar, mas ele só vai doar ao ver o resultado na base. E a ONG não sabe apresentar esse resultado. Ela sabe que impacta 200 crianças, mas não tem indicadores para apresentar isso, porque vem muito com coração", explica Ana Carla Marinho, uma das palestrantes.
Segundo a diretora, um dos maiores problemas para que esses projetos recebam investimentos é a falta de estrutura administrativa para firmar parcerias com empresas em doar. "Quem trabalha com empreendedorismo social geralmente trabalha com emoção, vem pela dor social e faz o projeto. Ele não tem um planejamento estratégico, um jurídico constituído, a responsabilidade contábil de gerenciar isso, não sabe quais os enquadramentos jurídicos que ele pode ter, quais os benefícios fiscais que podem dar para alguma empresa que chegue com algum tipo de patrocínio".
Além disso, segundo a especialista, empreendedores sociais formalizados enfrentam obstáculos no sistema tributário, pois não há um regramento simplificado ou qualquer tipo de isenção fiscal – como o dado a igrejas, por exemplo - para essas organizações. "Uma das lutas que a gente vai levantar essa bandeira futuramente é: trazer benefícios fiscais para quem está fazendo essa parte social".
Fonte: Rede Brasil Atual