As instalações militares de Deodoro, zona norte do Rio, vão abrigar o basquete, o hóquei, o hipismo, o tiro e outros esportes olímpicos. Mas suas dependências já receberam presos/as políticos/as que foram presos/as, torturados/as e mortos/as por lá. Já o Parque Radical, onde acontecem as competições de canoagem e mountain bike, divide muro com cemitério vizinho em que foram enterrados como indigentes opositores do regime militar (1964-1985). "Hoje, Deodoro é um lugar de festa só porque há camadas geológicas que escondem a memória daqueles tempos macabros”, define Wadih Damous, que presidiu a Comissão da Verdade do Rio, entidade que investigou a repressão organizada pelas forças armadas e policiais durante os 21 anos de ditadura.
A Vila Militar serviu de prisão para dezenas de opositores nas unidades que formam o maior complexo bélico do Brasil, mas o quartel mais temido era o da 1ª Companhia de Polícia do Exército. Quem for às disputas de lá é só olhar para um prédio baixo, logo à esquerda da entrada do público no Parque Olímpico. Lá era o centro de tortura, onde aconteciam inclusive aulas práticas de técnicas usando pau-de-arara, choques elétricos, palmatória e latas abertas, segundo o relatório final das investigações.
O levantamento da comissão apontou a morte de, pelo menos, três oposicionistas após sessões de tortura por lá. Um deles foi o estudante de medicina Chael Charles Schreier, integrante da VAR-Palmares (mesmo grupo da presidente afastada, Dilma Rousseff). Outro foi Lourenço Camelo de Mesquita, filiado ao Partido Comunista Brasileiro. O terceiro foi Severino Viana Colou, um dos fundadores da guerrilha Colina (Comando de Libertação Nacional). Oficialmente, eles se suicidaram no cativeiro.
Em uma diligência em janeiro de 2014, a comissão percorreu a Vila Militar de Deodoro, com quatro sobreviventes de lá, que reconheceram, apesar das reformas das últimas décadas, os pavilhões onde foram presos e torturados.
Um deles falou. “Naquelas paredes de Deodoro ecoam gritos de dor. E naquele solo há sangue de brasileiros. Esse astral de festa que querem criar ali esconde a memória de um local de barbaridades”, afirmou Francisco Celso Calmon, que ficou preso por quatro meses ali, sendo diversas vezes torturado.
O jornalista Álvaro Caldas ficou preso um ano e meio no início da década de 1970 em dois regimentos de lá, mas foi torturado em outro local militar: a sede do COI-CODI no bairro da Tijuca, prédio localizado a sete quarteirões do estádio do Maracanã. “Não dá para comparar Deodoro com Auschwitz, mas ali houve concentração, tortura e morte de presos. E não há uma placa que lembre isso por lá”, afirma Caldas.
A posição oficial das Forças Armadas é negar que houve tortura e morte em suas dependências durante a ditadura. Já Estado brasileiro, mesmo nos mandatos de presidentes civis e democraticamente eleitos, nunca pediu desculpas formais pelas mortes causadas por ações dentro de instalações oficiais.
"Não houve excessos de determinados agentes como os militares chegam a admitir: o que houve foi um política de Estado de tortura e extermínio”, diz Damous. Ele também estranha o slogan da Olimpíada Rio-2016, “Um Mundo Novo”, espalhado pelos locais de competições. “Soa como uma mentira falar em mundo novo em um país que nega seu passado”, completa.
O Parque Radical, criado para os Jogos, é colado ao cemitério Ricardo de Albuquerque, onde foram identificadas 14 ossadas de opositores, enterrados como indigentes entre 1970 e 1974 em valas comuns com outros 2.000 corpos identificados como indigentes. Lá, há um memorial que lembra essa história e foi erguido pelo grupo “Tortura Nunca Mais".
Em seu relatório final, a Comissão Nacional da Verdade chegou ao número de 434 mortos e desaparecidos entre os opositores ao regime, e responsabilizou 377 militares e policiais pelos crimes. Já os clubes militares divulgaram uma lista de 126 mortos em ações das guerrilhas.
Fonte:IHU com informações do Portal Uol