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Lei que estabelece regras e princípios no combate à discriminação completa cinco anos com desafios a superar, como casos de racismo, suspeitas de fraude em concursos e críticas sobre os resultados alcançados

O Estatuto daIgualdade Racial (Lei 12.288/2010) completou cinco anos no dia 20 de novembro, em meio a polêmicas sobre os resultados do combate ao preconceito. Dois dias depois, foi noticiado que um médico carioca branco e de olhos verdes pela segunda vez se candidatou como cotista afrodescendente no concurso deste ano para diplomata do Itamaraty, cujas provas começaram no domingo (leia texto abaixo). E ainda reverberavam as agressões raciais feitas no Facebook, no início de julho, à jornalista Maria Júlia Coutinho, da TV Globo. A própria efetividade do estatuto gera opiniões muitas vezes contrárias entre os que lutam pela equiparação de direitos, tanto que a ONG Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro) vai pedir à Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado uma audiência pública para fazer um balanço desses cinco anos.

 

Com 65 artigos, o estatuto define diretrizes nas áreas da educação, cultura, lazer, saúde e trabalho, além da defesa de direitos das comunidades quilombolas e dos adeptos de religiões de matrizes africanas. O projeto tramitou durante sete anos no Congresso, terminando com rejeição integral de 4 artigos e incorporação de 11 emendas de redação. A primeira versão do texto, apresentada pelo senador Paulo Paim (PT-RS) em 2003, sofreu várias modificações tanto na Câmara quanto no Senado.

Foram eliminados artigos que previam cotas nas universidades federais e escolas técnicas públicas, reserva de 10% das vagas de cada partido ou coligação, mudança no Código Penal para dispensar a exigência de representação do ofendido para processamento de crimes contra a honra (injúria, calúnia ou difamação) de funcionário público em razão da etnia e permissão ao poder público para dar incentivos fiscais a empresas com mais de 20 empregados que mantivessem pelo menos 20% de trabalhadores negros.

"Entre o ideal e o possível, há uma grande distância. O Estatuto foi uma grande vitória. De forma pontual, ele sempre poderá ser aperfeiçoado. Mas foi um marco. Lembro uma frase do [então presidente] Lula no momento da sanção: “Alguns me disseram que, devido a algumas questões, eu não devia sancionar. Se eu fosse esperar, daqui a 100 anos eles estariam lamentando a oportunidade perdida” — disse Paim.

O frei David dos Santos, diretor-executivo da Educafro, entende que o governo “cedeu demais” na tramitação do projeto e que direitos posteriores, como cotas de 20% para negros nos concursos federais, foram conquistados sem ajuda do estatuto. Na opinião dele, nos últimos cinco anos, houve até retrocessos nas conquistas.

"Antes do estatuto estávamos avançando bem. Mas há cinco anos temos uma lei apenas autorizativa, em vez de determinativa. Os bancos tinham assinado um termo de ajuste de conduta para inclusão racial nas contratações. Após a assinatura do estatuto, eles abandonaram o plano ", exemplificou.

Conquista do país

A ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Nilma Lino Gomes, tem uma visão diferente: ela defende que o estatuto seja visto como uma conquista do país. Em coro com o senador Paim, Nilma afirma que o fato de alguns pontos da proposta inicial terem sido suprimidos não invalida o teor e alcance do estatuto. A ministra cita medidas criadas com base nas disposições do estatuto: a Lei 12.990/2014, que instituiu 20% de cotas para negros no serviço público federal pelos próximos dez anos, e regras do Ministério do Trabalho criadas neste ano para incluir políticas de promoção da igualdade racial.

Ainda com base no estatuto, a secretaria criou a Ouvidoria Nacional da Igualdade Racial — que registra, apura e acompanha casos de racismo e discriminação racial no país. Já passaram pela ouvidoria mais de 1,7 mil denúncias, número que cresce à medida que o serviço é conhecido pela sociedade (219 em 2011, 413 em 2012, 425 em 2013, 448 em 2014 e 270 até junho de 2015).

Paim acrescenta como avanços possibilitados pelo estatuto a questão da titularidade das terras dos quilombolas, o fortalecimento da luta pelo trabalho igual e salário igual, muitas conquistas nas áreas de segurança, saúde e educação para a população negra e a criação de novos instrumentos de combate ao racismo.

"Estatutos têm que ser apropriados pela população. O povo tem que conhecer cada vez mais e exigir que ele seja cumprido. Para isso, seria fundamental que governadores, prefeitos, vereadores e iniciativa civil imprimissem o estatuto e distribuíssem", sugeriu o senador.

Baixa representação

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013, mais da metade da população brasileira não é branca: 53,1% (soma de quem se declara preto e pardo). Essa maioria, porém, não se repete no mundo acadêmico, por exemplo. Entre os 387,4 mil pós-graduandos brasileiros, há o desequilíbrio de 270,6 mil brancos (69,8%) e 112 mil negros (28,9%).

 Na política, a representação da população negra também é desproporcional. Nenhum dos 27 senadores eleitos no ano passado se declarou negro. Apenas cinco se declararam pardos: Gladson Cameli (PP-AC), David Alcolumbre (DEM-AP), Romário (PSB-RJ), Fátima Bezerra (PTRN) e Telmário Mota (PDT-RR). Como esta foi a primeira eleição em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) inseriu a pergunta sobre a cor da pele na ficha de inscrição dos candidatos, não há registro oficial de como se consideram os 54 senadores eleitos em 2010.

Na Câmara, quase 80% dos deputados se declararam brancos. Dos 27 governadores eleitos em 2014, não há nenhum que tenha declarado ser negro à Justiça Eleitoral. No serviço público, o governo estima 30% de negros. Em alguns cargos de alta remuneração, como diplomatas e auditores, a presença dessa etnia é inferior a 10%.

"Nós, negros, estamos economicamente despossuídos e, consequentemente, com o poder político fragilizado. Estamos investindo na consciência do povo negro e o que não vier por amadurecimento do poder político branco virá por outros caminhos", afirmou frei David.

Dois dias após o aniversário do estatuto, a ONU lançou no Brasil a Década Internacional de Afrodescendentes, que vai de 2015 a 2024. As atividades brasileiras serão desenvolvidas sob a coordenação da Seppir, em parceria com o Ministério das Relações Exteriores. No lançamento, a ministra Nilma conclamou toda a sociedade para a continuidade da luta pela superação do racismo.

A Constituição define racismo como “crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão”. O texto também apresenta como um dos objetivos fundamentais da República a promoção do “bem de todos, sem preconceito de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Neste momento de avanços pela igualdade racial, frei David diz que já esperava aumento de manifestações racistas, como as sofridas pela jornalista da TV Globo e as verificadas recentemente em jogos de futebol.

"Ninguém desamarra um pêndulo esperando que ele vá imediatamente parar de balançar. Após ser desamarrado, ele primeiro irá até o outro lado. Com o tempo e com o balanço, vai encontrar o equilíbrio".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Agência Senado de Notícias
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado – 26/3/2012


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